Após impasse, moradores da Praia do Forte esperam por audiência de conciliação em Florianópolis

A Justiça Federal aguarda manifestação da União sobre a continuidade da demolição de imóveis na Praia do Forte, em Florianópolis. A tendência, agora, é que haja nova audiência de conciliação para tentar resolver o impasse. Os moradores alegam que a família vive no local desde o século 18, por isso não querem deixar as casas.

Nova audiência sobre impasse envolvendo demolição de imóveis na praia do forte

Expectativa é de que nova audiência de conciliação resolva o impasse da demolição de imóveis na Praia do Forte – Foto: Divulgação/Associação de Moradores da Praia do Forte

Ao todo, oito imóveis podem ir abaixo a pedido do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que contratou a execução de obras para a Fortaleza de São José da Ponta Grossa, incluindo a restauração, sinalização, expografia, paisagismo, agenciamento externo e acessibilidade interna e externa.

O órgão, porém, estaria impossibilitado de concluir as obras até a demolição de imóveis, já que algumas delas se sobrepõem às áreas onde o trabalho deve ser feito.

De acordo com o Iphan, a área da Fortaleza de São José da Ponta Grossa, incluindo o entorno, é da União, mas foi ocupada de maneira irregular nas últimas décadas.

“É um cenário complexo, com a alegação de existência de moradores tradicionais na área, descendentes de pescadores e rendeiras e outros de perfis mais variados, com diferentes situações de regularização junto à SPU (Secretaria do Patrimônio da União)”, explicou o órgão, em nota.

O Iphan ainda acrescenta que a Fortaleza é tombada e tem a competência legal de regular as alterações e evitar os avanços e intervenções que gerem danos ao bem. Outra informação do órgão é que os processos judiciais que originaram o pedido da demolição de imóveis não foram promovidos pelo Iphan, mas pela União, em função de irregularidades na ocupação da área ao lado da Fortaleza.

“Além de não terem autorização da proprietária da área, as construções foram feitas sem autorização do Iphan e descumprem diversos critérios e normas aplicados a todas as intervenções no entorno do forte, razão pela qual o Iphan passou a ser parte do processo”, registra o órgão.

Moradores protestam contra demolição de imóveis na Praia do Forte – Foto: Germano Rorato/ND

Busca de consenso sobre demolição de imóveis

O instituto informou, também, que a última fase de recursos e contestações acabou em 2001. “Nas diversas reuniões em que participou após essas decisões, o Iphan sempre se colocou disposto ao diálogo, mas sempre deixando claro que uma negociação precisaria ser aberta no processo judicial e que precisaria considerar, em primeiro lugar, a União, por ser a autora da ação e proprietária da área ocupada”.

Por fim, o Iphan explicou que, na última segunda-feira, foi questionado pela representação judicial da União se haveria disponibilidade de negociação para um possível acordo.

O instituto respondeu formalmente que, de sua parte e nos limites de sua atuação institucional, coloca-se à disposição para a busca de consenso na fase de cumprimento da decisão judicial, desde que a União, proprietária da área, também entenda por essa possibilidade. Assim, foi paralisada a execução da demolição de imóveis para verificar o posicionamento da União sobre o caso.

A versão dos moradores sobre a demolição de imóveis

O comerciante Ivânio Alves da Luz, 65 anos, administra um restaurante na Praia do Forte há mais de 45 anos, herança de família. O estabelecimento foi uma venda do bisavô de Ivânio.

“A gente nasceu e se criou aqui, somos filhos de pescadores, nativos. Meus pais e avós nasceram aqui. Queremos permanecer na comunidade”, afirmou.

Ivânio é nativo da Praia do Forte, onde sua família mora há gerações, e pode sofrer com a demolição dos imóveis – Foto: Germano Rorato/ND

Ele mora com a esposa, Almeri da Luz, que o ajuda no comércio. No momento, porém, a empresa está fechada, com prejuízo estimado em R$ 20.000. “Espero que nenhum ser humano passe o que a gente passou. A dor pode passar, mas a ferida vai ficar para sempre”, lamentou o morador.

Ivânio conta que as demais casas a serem demolidas pertencem aos familiares, como a irmã Ione da Luz Gaia, 66 anos. “Nasci e me criei aqui. Me casei, criei meus filhos, estou criando netos. Nunca vi esse campo de guerra. Isso não se faz com ninguém, a nossa casa ficou depenada”, relatou Ione, que retirou móveis da residência com receio de perder tudo numa demolição.

Prima de Ivânio e Ione, a comerciante Neusa Alves da Luz, 57 anos, é mais uma moradora com a casa ameaçada. Ela também retirou os móveis de casa e alguns pertences sofreram danos. “Estou há cinco dias sem dormir. Moramos eu, meu esposo, meu neto de nove anos e mais três filhas. Nasci e me criei aqui, não somos invasores”, destacou.

Família Alves está apreensiva com a possibilidade de demolições na Praia do Forte – Foto: Germano Rorato/ND

Registro da presença desde 1834

O advogado Marcelo Pretto Mosmann, que representa a Associação de Moradores da Praia do Forte, reitera que a presença da família está documentada, inclusive, na matrícula do imóvel que contempla a fortificação, e registra que, quando da medição da gleba em 1834, estava presente Heres Antônio Alves, patriarca da família de Euclides Alves da Luz, pai de Ivânio.

“Os antigos da comunidade relatam que a família chegou em 1770, o que é corroborado por registros históricos do Iphan. A participação nesse ato relevante denota que Heres Alves era uma pessoa respeitada na comunidade local, por ser um dos pioneiros da ocupação da localidade”, afirmou o advogado sobre a demolição de imóveis.

Ele apontou, também, que em 2010 a União foi favorável à permanência dos moradores, inclusive com manifestação oficial do superintendente da SPU em Santa Catarina. À época, porém, o MPF (Ministério Público Federal) passou a ser representado por outro procurador, que foi contra.

“A nosso ver, esse foi o imbróglio que impediu uma solução equilibrada, que o TRF4 já havia sugerido desde o início ao mencionar o impasse entre MPF e União. E isto é muito sério, porque há quase uma centena de construções no mesmo local e na mesma situação, de pessoas que chegaram a partir dos anos 1990, sem oposição da União”, declarou o advogado.

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