Quase brasileiro, Devendra Banhart retorna ao RJ feliz em ser ‘vulnerável’

Devendra Banhart não sabe quantas vezes já veio ao Brasil mas, de repente, percebe que usou mais de 100 palavras para tentar alcançar um sentimento que, em português, chamamos de “saudade”. Ele ri, ao falar de “Feeling”, faixa que abre seu disco mais recente, “Flying Wig”.

“Ouvindo você perguntar, não posso dizer outra coisa além de que essa música é totalmente sobre ‘saudade’”, diz sobre a canção na qual um angustiado eu-lírico busca entender o que é esse sentimento que não tem nome em outras línguas e que, por isso, fica tão difícil de encontrá-lo. Desde 2017 sem pisar no país, o compositor nascido nos Estados Unidos e criado na Venezuela, é a grande atração internacional do Queremos! Festival, dia 13, na Marina da Glória, no Rio.

Um dos trunfos de Devendra com o público brasileiro foi ser transparente em relação à vulnerabilidade. Sem marra de estrangeiro e com o tom confessional de sua obra, o cantor ganhou pontos com um público valorizado lá fora por ser catártico. Com Devendra, não. Sua música parece incitar, às vezes, ao silêncio e à atenção e isso cativou os brasileiros criados no indie-folk. Quando perguntado sobre sua idade logo após uma pergunta mais complexa sobre exibir fragilidades, ele, novamente, ri. “Essa foi uma foi forma muito complexa de encerrar uma pergunta como essa”, repara para, depois, se jogar.

“Eu gostaria de ser uma árvore com plantas crescendo em mim, aberta à novas espécies. É isso que eu posso dizer sobre vulnerabilidade. Eu acho que vulnerabilidade é uma prática e algo muito corajoso. Chorar na frente de um estranho é constrangedor. E isso gera um medo que nos afasta de olhar no olho do próximo, de ter empatia, humildade”, diz o budista de 42 anos.

Um de seus episódios sobre vulnerabilidade envolve Caetano Veloso, um de seus ídolos. “Eu ouvi que ele estava no público esperando o show. Todos se cagaram nas calças. ‘Nem fudendo que ele tá aí’. Quando subimos ao palco, fizemos um dos piores shows possíveis, já imaginando que ele teria ido embora. Para nossa surpresa, ele surgiria no backstage dizendo ‘foi horrível e eu amei’”, conta.

A falta de peso ao contar essas memórias não são uma faceta recente do artista. Em uma de suas muitas vindas ao Brasil, em 2015, Devendra disponibilizou o palco, o microfone e sua guitarra para que alguém da audiência do Circo Voador, lendária casa do Rio de Janeiro, pudesse cantar e tocar. A platéia não acreditou, parecia piada. Mas era, de fato, um ato recíproco e sincero do show. Mais do que isso, parecia uma tentativa de quebrar uma relação entre público e artista que o mercado congelou em caixinhas um tanto caretas. A inspiração para o momento surgiu com a ajuda da fotografia e de vários “nãos” que Devendra recebeu de quem era fotografado por ele.

“Eu tava começando a registrar a minha turnê por meio de fotografias despretensiosas. Uma hora era uma lixeira, outra uma pessoa da minha banda. Eram pessoas que eu realmente admirava e, por isso, estava fotografando. Mas eu mostrava como eu as registrava, tal como um fã, e elas diziam não. Eu até entendo, né? Elas estavam ali, em momentos íntimos, prontas para tocar. Mas aquilo me machucava, batia forte. Eu me sentia mal comigo mesmo. Então por ter ficado machucado, eu transformei aquele veneno em cura” conta, não deixando de reforçar que o tal momento de “open-mic” ficou para trás já que, na maioria das vezes, alguma guitarra caia ou era algum bêbado corajoso que subia ao palco. Se vale notar, na oportunidade que deu ao sortudo no show mencionado no Rio de Janeiro, o felizardo não só encarou o público como tocou uma canção autoral, levando o Circo Voador ao delírio pela façanha.

“A gente deveria fazer isso de novo?”, pergunta ao repórter. “Não sei”, ele mesmo responde. “Que canção brasileira eu deveria tocar para o público? Devo tocar um Novos Baianos, um Caetano Veloso, um Secos e Molhados? Um Terno? Ou uma do Rodrigo [Amarante]? Ou deveríamos fazer algo totalmente oposto como mandar um Greatful Dead? Hein? O que você acha?”. A reportagem indicou “Azul”, de Djavan, que toca no mesmo festival que o norte-americano. Agora, resta saber qual vulnerabilidade Devendra escolherá exibir em mais um retorno ao Rio de Janeiro.

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