Reclamações contra cartões de crédito disparam 73% em dois anos

 

Nos últimos dois anos, o número de reclamações contra cartões de crédito registrou um aumento de 73%, de acordo com um levantamento da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça. O aumento das queixas foi identificado a partir de dados coletados nas plataformas Consumidor.gov.br e ProConsumidor, que concentram registros de consumidores insatisfeitos com bancos e administradoras de cartões de crédito, débito e cartões de loja.

As reclamações abrangem diversas categorias, mas algumas práticas recorrentes têm causado maior indignação entre os consumidores. Já entre os direitos mais frequentemente violados pelas administradoras de cartões de crédito estão a cobrança por serviços não contratados, a falta de transparência na comunicação de taxas e encargos e a dificuldade para cancelar serviços indesejados.

Essas práticas contrariam diretamente o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que prevê o direito à informação clara e adequada sobre produtos e serviços, além de garantir que o consumidor possa cancelar contratos sem entraves excessivos.

Serviços não contratados

Entre as queixas mais frequentes está a cobrança por produtos e serviços não contratados, como os chamados seguros “bolsa protegida” e “parcela protegida”, que são incluídos sem consentimento prévio do titular do cartão.

O problema ocorre quando bancos e administradoras adicionam essas proteções automaticamente às faturas sem que o consumidor tenha solicitado ou autorizado a contratação. Muitas vezes, essas cobranças aparecem de forma discreta, diluídas nas faturas, o que dificulta a identificação imediata do problema pelos clientes.

Anuidades

Outro ponto crítico destacado pelos consumidores é a cobrança indevida de anuidades. Algumas administradoras prometem que a tarifa só será cobrada em caso de uso do cartão, mas muitos consumidores relatam que foram surpreendidos com a taxa mesmo sem realizar nenhuma compra.

Em alguns casos, a cobrança ocorre mesmo quando o cartão está bloqueado, contrariando a política anunciada no momento da contratação do serviço.

Principais problemas envolvendo cartões — Foto: Editoria de arteDados dos problemas

Os dados coletados nas plataformas oficiais revelam os principais problemas enfrentados pelos consumidores. De acordo com a base do Consumidor.gov.br, no período entre janeiro de 2023 e janeiro de 2025, a maior parte das reclamações se concentrou na renegociação ou parcelamento de dívidas, com um total de 42.638 registros. O cálculo de juros e saldo devedor, incluindo questionamentos sobre cobranças excessivas e dificuldades em obter o histórico detalhado, foi o segundo maior motivo de queixas, acumulando 27.523 registros.

Além disso, a cobrança de tarifas e taxas não informadas ou não previstas nos contratos aparece como outro grande motivo de insatisfação, com 19.221 queixas no período analisado. A negativação indevida, ou seja, casos em que o nome do consumidor foi incluído em cadastros de inadimplentes mesmo após a realização do pagamento, gerou 18.064 registros de reclamações.

Outros problemas recorrentes incluem a dificuldade de cancelar contratos, a cobrança abusiva para alterações nos serviços contratados, a falta de resposta por parte do Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) e a incidência de compras e saques não reconhecidos pelos titulares dos cartões.

Os dados do ProConsumidor, outra plataforma utilizada para o registro de reclamações de consumidores, reforçam essa tendência. Entre os principais problemas relatados nesse canal, estão a renegociação de dívidas, com 61.856 registros; a cobrança indevida por serviços não contratados, com 36.078 reclamações; e a cobrança de tarifas inesperadas, que gerou 22.671 queixas no período analisado.

Recomendações

Segundo a Senacon, o consumidor deve estar atento a todas as cobranças feitas na fatura e conferir regularmente os extratos do cartão. Qualquer valor desconhecido ou suspeito deve ser contestado imediatamente junto à administradora.

Além disso, é importante ler com atenção o contrato antes de contratar um cartão, evitando surpresas com tarifas e encargos inesperados. Caso o problema não seja resolvido com a empresa, o consumidor pode registrar uma reclamação no Consumidor.gov.br. Por lá, é preciso colocar na barra de pesquisa o nome da empresa e clicar em “registrar reclamação”.

Também é possível formalizar reclamação no ProConsumidor, no portal https://proconsumidor.mj.gov.br/, após efetuar login. O procedimento é igual ao do consumidor.gov.

Se mesmo assim não houver solução, o caso pode ser levado aos órgãos de defesa do consumidor, como o Procon (Avenida Rio Branco 25, 5º andar, Centro do Rio, e telefone 151) ou até a Justiça.

Os Juizados Especiais Cíveis recebem ações contra empresas privadas, com rápida tramitação e, em caso de ganho de causa, o valor da indenização é limitado a 40 salários mínimos (R$ 60.720).

Ainda é viável utilizar sites de reclamação populares, como o Reclame Aqui, ou recorrer ao Banco Central (BC), por meio do Fale Conosco no site oficial do Banco Central, no link https://www.bcb.gov.br/meubc/faleconosco. Na aba, basta clicar em “Reclamação contra bancos e outras instituições financeiras”. O banco conta também com atendimento pelo telefone 145.

A que se deve o aumento?

O aumento expressivo das reclamações contra cartões de crédito nos últimos anos pode ser atribuído a diversos fatores, conforme explicam especialistas em direito do consumidor e mercado financeiro. Entre os principais motivos estão o crescimento das fraudes, o superendividamento da população e a falta de transparência na cobrança de tarifas e taxas.

Para o professor Gustavo Kloh, da FGV Direito Rio, as fraudes e o superendividamento são dois dos principais impulsionadores das queixas registradas por consumidores. Segundo ele, muitas reclamações surgem porque os clientes não conseguem arcar com suas faturas e encontram dificuldades para renegociar suas dívidas.

– As pessoas têm faturas impagáveis e reclamam porque não conseguem dar conta, não conseguem pagar o parcelado e aí a dívida se torna muito grande. Esse é um problema recorrente, mas que também envolve, em parte, o comportamento do próprio consumidor.

Outro fator que preocupa Kloh é a escalada das fraudes com cartões de crédito. Ele destaca que, apesar de a tecnologia ter avançado e oferecido novas formas de pagamento, como o NFC e o armazenamento de senhas na nuvem, isso também abriu espaço para novas vulnerabilidades.

– As fraudes estão acontecendo em uma escala gigantesca. A complexidade dos meios de uso, a multiplicidade de formas de pagamento e as enormes ‘facilidades’ estão abrindo toda a porta possível para os fraudadores agirem de forma ousada e ampla.

O professor Daniel Dias, também da FGV Direito Rio, acrescenta que, além das fraudes e do superendividamento, as administradoras de cartões de crédito são frequentemente criticadas por práticas abusivas relacionadas à cobrança de tarifas e taxas. Segundo ele, a tarifa de manutenção anual e a tarifa de emissão de novos cartões são exemplos de cobranças recorrentes que geram insatisfação.

– Os bancos costumam cobrar uma taxa apenas pelo fato de o cliente ter um cartão, mesmo que ele não seja utilizado. Além disso, há tarifas aplicadas quando o cliente solicita um novo cartão, mesmo que seja apenas para substituir um que ainda está válido.

Para reduzir o número de reclamações, Dias defende que as administradoras de cartões adotem medidas mais eficazes de transparência e comunicação com os consumidores.

– Criar contratos mais claros e concisos, evitar jargões financeiros e destacar de forma acessível todas as taxas e encargos são estratégias essenciais. Além disso, manter os clientes informados sobre mudanças nas políticas do cartão e garantir que todas as taxas estejam claramente descritas nas faturas pode evitar muitas surpresas desagradáveis.

Rapidez pode ajudar

Quando o consumidor se depara com uma cobrança indevida em seu cartão de crédito, a rapidez na contestação é essencial para evitar complicações futuras.

A advogada especialista em direito do consumidor Daniela Uchôa Zaire orienta que o primeiro passo deve ser a comunicação formal com a administradora do cartão, utilizando canais oficiais e documentados.

– É fundamental registrar a reclamação e obter um protocolo de atendimento, pois isso servirá como prova caso a contestação não seja resolvida administrativamente.

Além disso, a especialista recomenda que o consumidor apresente a contestação por escrito, anexando documentos como faturas do cartão, comprovantes de pagamento e qualquer outra comunicação prévia com a instituição financeira.

O advogado Luan Dantas reforça a importância da documentação. Segundo ele, o consumidor deve reunir extratos do cartão, comprovantes de contato com a empresa e eventuais negativas da restituição para fundamentar sua reclamação.

– Ter em mãos os prints de tela, e-mails e termos de adesão do serviço pode ser crucial para demonstrar que não houve contratação ou consentimento para a cobrança.

Ele também alerta que, embora o prazo legal para reclamar judicialmente seja de cinco anos, conforme o Código de Defesa do Consumidor (CDC), é recomendável agir o quanto antes para evitar dificuldades na comprovação do erro.

Entendimento judicial

Nos casos de reclamações contra administradoras de cartões de crédito, a Justiça brasileira tem consolidado um entendimento favorável aos consumidores, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Especialistas ressaltam que cobranças indevidas, inclusão não autorizada de produtos e dificuldades para cancelamento de serviços são práticas abusivas que podem gerar indenização ao consumidor lesado.

O advogado Marcelo Santos, especialista em direito do consumidor e sócio da M. Santos Consultoria Jurídica, explica que, de acordo com a legislação vigente, o contrato de um cartão de crédito só pode ser considerado válido após o efetivo desbloqueio do cartão pelo consumidor.

– Antes disso, não há qualquer possibilidade de se considerar que o serviço está disponível e, portanto, não pode haver cobrança de anuidade ou qualquer outro tipo de tarifa. A legislação consumerista prevê que o consumidor deve ser respeitado em sua manifestação de vontade e que não pode ser surpreendido com cobranças inesperadas ou serviços não solicitados.

A advogada Caroline de Mello Silva Temo, também especialista em direito do consumidor, destaca que a Justiça tem sido rigorosa com práticas como a inclusão de seguros não solicitados, como “bolsa protegida” e “parcela protegida”.

– Essas cobranças são consideradas práticas abusivas e configuram venda casada, o que é expressamente proibido pelo artigo 39, inciso I, do CDC.

Ela lembra que o Superior Tribunal de Justiça STJ possui uma súmula específica sobre o tema.

– A Súmula 532 estabelece que o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor configura ato ilícito e sujeita a instituição financeira à aplicação de multa e indenização.

Como economizar com o cartão de crédito

O cartão de crédito, quando utilizado de forma planejada, pode ser um aliado importante para organização financeira e aproveitamento de benefícios. No entanto, seu uso descontrolado pode levar ao endividamento, configurando um dos principais desafios financeiros para muitas famílias.

Confira dicas para um gerenciamento eficaz da ferramenta, de acordo com Camila Poltronieri Flaquer, head de Cobrança Digital da Recovery.

Faça um uso consciente e planejado

O planejamento é o alicerce de um uso saudável do cartão de crédito. Antes de realizar qualquer compra, é importante avaliar sua real necessidade e a capacidade de pagamento. O limite do cartão não deve ser encarado como uma extensão da renda, mas como um adiantamento que precisa ser quitado.

Para evitar excessos, é recomendável estabelecer limites de gastos no cartão dentro do orçamento mensal. Priorizar despesas planejadas, como contas fixas ou compras que possam ser pagas integralmente, também contribui para um uso mais responsável.

Realize o pagamento integral da fatura

O rotativo do cartão de crédito é uma das modalidades de crédito mais caras do mercado, com taxas que podem ultrapassar 400% ao ano. Por isso, priorizar o pagamento integral da fatura é uma estratégia essencial para evitar juros exorbitantes.

Em caso de dificuldade financeira, é possível renegociar ou parcelar o saldo devedor diretamente com a instituição financeira, muitas vezes com condições mais vantajosas. Outra questão importante é manter a regularidade nos pagamentos para manter um histórico de crédito positivo. A inadimplência reduz a pontuação de crédito (score), o que pode dificultar o acesso a financiamentos e outros tipos de crédito no futuro.

Quite dívidas existentes

Para quem já está endividado, traçar um plano para quitar as pendências é o primeiro passo. Uma abordagem eficiente inclui mapear o valor total devido, as taxas de juros envolvidas e negociar diretamente com a empresa emissora do cartão de crédito ou a responsável por renegociar a dívida (no caso de dívidas mais antigas) para condições mais favoráveis.

Alternativamente, a transferência de saldo para um cartão com juros reduzidos ou a consolidação das dívidas por meio de um empréstimo pessoal são soluções que podem aliviar a pressão financeira.

Analise as regras e contrato do cartão

Caso haja insatisfação com o serviço de cartão atual, seja por conta de taxas ou falta de garantias e benefícios, a dica é pesquisar e avaliar as diversas opções no mercado.

Antes de contratar um cartão, é essencial revisar todas as condições, incluindo taxas de anuidade, juros e benefícios. Comparar diferentes opções pode evitar gastos desnecessários com serviços não utilizados.

Aproveite programas de pontos e recompensas

O uso responsável do cartão pode gerar vantagens, como acumulação de pontos em programas de fidelidade. Esses pontos podem ser convertidos em passagens aéreas, produtos ou até cashback.

Uma dica importante é buscar concentrar os gastos em um único cartão com benefícios alinhados ao perfil de consumo e participação em promoções sazonais, isto tanto facilita o controle e a gestão do cartão quanto maximiza os benefícios e pontuações do cartão.

Estabeleça uma reserva de emergência

A falta de uma reserva financeira é uma das principais razões para o endividamento com cartões de crédito. Uma reserva equivalente a pelo menos três meses de despesas fixas pode evitar o uso do cartão em situações emergenciais, prevenindo juros elevados.

Essa reserva deve ser mantida em uma aplicação de fácil acesso e com liquidez imediata, para garantir a segurança financeira em momentos de crise inesperada.

Outro lado

O Bradesco, em nota, afirmou que acompanha constantemente as manifestações e atua de forma incansável para reduzir o número de reclamações e promover a satisfação dos seus clientes, com melhores produtos, processos e serviços. Com relação às reclamações sobre cartões de crédito, alcançamos 28% de redução no volume de registros em 2024. Em 2025 daremos continuidade a esse processo de melhoria contínua e esperamos seguir na redução do volume de reclamações sobre o tema.

Procurados pelo reportagem, Caixa, Itaú e Nubank disseram que não iriam comentar. Banco Inter, C6 Bank, Banco do Brasil e Santander não responderam aos pedidos de comentários.

Fonte: Extra

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