Treta na arqueologia: estudo que concluiu gravidez de múmia é chamado de “falso”

A mais recente polêmica no mundo da arqueologia envolve uma suposta múmia grávida de 2.000 anos atrás — uma pesquisa, feita pelo Projeto Múmia de Varsóvia e publicada em 2021, teorizou que uma antiga egípcia teria morrido por conta de um provável tumor cerebral, e acabado embalsamada ainda grávida de um bebê.

  • Cientistas recriam perfume usado na mumificação de nobre egípcia de 3.500 anos
  • 5 coisas que já descobrimos com a múmia de Tutancâmon, o jovem faraó do Egito

Agora, cientistas de diversas instituições, incluindo a Universidade de Varsóvia, publicaram um estudo na revista científica Archaeological and Anthropological Sciences buscando desmentir a hipótese anterior, com afirmações de que os sinais do tumor teriam sido produzidos pela remoção errônea do cérebro da múmia e de que o feto seria, na verdade, apenas bandagens.

Mas a treta não para por aí: acusações foram e vieram, com comunicados de ambas as equipes sendo enviados a sites como o IFLScience em forma de réplicas e tréplicas. Vamos acompanhar as alegações de ambos os grupos de cientistas nesta notícia.


Entre no Canal do WhatsApp do Canaltech e fique por dentro das últimas notícias sobre tecnologia, lançamentos, dicas e tutoriais incríveis.

Briga arqueológica egípcia

A “Dama Misteriosa” é uma múmia levada à Polônia no início dos anos 1800, atualmente abrigada no Museu Nacional de Varsóvia. De acordo com os autores da mais recente análise, as afirmações do estudo de 2021 teriam cometido um erro ao afirmar que a múmia estaria grávida de um feto entre 26 e 30 semanas quando morreu, chamando a atenção da mídia e ferindo a objetividade científica, sem a análise de um radiologista, como deveria ser feito.

Um dos autores, inclusive, é um paleoradiologista e especialista em múmias, e teria apontado que não havia nenhum feto no cadáver, nem mesmo o esqueleto. De acordo com os pesquisadores do estudo anterior, a ausência de ossos teria se dado pela sua dissolução em ácidos de ocorrência natural após a morte da mulher egípcia.

Para garantir a veracidade da sua afirmação, os pesquisadores atuais submeteram tomografias computadorizadas originais da Dama Misteriosa para 10 experts em radiologia de múmias diferentes, junto com um questionário com suas conclusões. Todos os especialistas não tinham viés, menos um, que foi o radiologista usado pelo Projeto Múmia de Varsóvia de 2021.

Todos teriam respondido que não havia evidência de feto algum na região pélvica — nem mesmo a afirmação “não se pode afirmar ou negar a existência de um feto” foi marcada, com certeza da ausência do bebê.

Ao IFLScience, os autores Wojciech Ejsmond e Marzena Ożarek-Szilke, do estudo original, comentaram saber que não há consenso sobre o conteúdo da pelve da múmia, mas que a interpretação sobre o feto teria sido discutida com ginecologistas e obstetras à época para chegar à hipótese de 2021.

O suposto feto da múmia de Varsóvia, ou, neste caso, seu formato como revelado pela tomografia computadorizada: há quem diga que são apenas bandagens (Imagem: Warsaw Mummy Project)
O suposto feto da múmia de Varsóvia, ou, neste caso, seu formato como revelado pela tomografia computadorizada: há quem diga que são apenas bandagens (Imagem: Warsaw Mummy Project)

A equipe responsável pela análise recente também não encontrou evidências de câncer, apesar das lesões cranianas da múmia: um dos especialistas diz não poder confirmar ou negar a existência da doença, mas aposta mais na possibilidade de uma remoção danosa do cérebro durante a mumificação.

Os autores do estudo original lembraram ter consultado um especialista para a conclusão, Rafał Stec, e lembraram que nunca deram certeza do câncer — seria apenas uma hipótese. Eles ainda complementam a tréplica dizendo que a equipe posterior só teve acesso a fragmentos da tomografia computadorizada, dificultando sua capacidade de comentar sobre as conclusões tomadas acerca da múmia.

Em suma, a batalha de narrativas continua: um grupo de pesquisadores acusa o outro de tirar conclusões enganosas com base nas informações disponíveis limitadamente e de tirar suas afirmações de contexto, enquanto o outro acusa tanto os cientistas quanto a mídia por propagar “falsas narrativas”.

Para a ciência, no entanto, só resta esperar que mais análises sejam feitas para confirmar uma hipótese ou outra.

Leia também:

  • Cientistas reconstroem rosto da primeira múmia grávida do mundo, com 2 mil anos
  • Múmia mais antiga do mundo é encontrada em Portugal
  • Múmia de homem morto há 2.400 anos revela qual foi sua última refeição

VÍDEO: As descobertas científicas mais legais dos últimos tempos

 

Leia a matéria no Canaltech.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.