Com Ainda Estou Aqui, Comissão de Mortos ganha força, diz presidente

Recriada em julho do ano passado, a Comissão Especial sobre Mortos Desaparecidos Políticos (CEMDP) ganhou, nos últimos meses, um reconhecimento nunca antes visto. A virada de chave vem na esteira do sucesso do filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, que neste domingo (2/3) disputa o Oscar em três categorias.

O longa narra a história de Eunice Paiva, esposa do deputado federal Rubens Paiva, que foi sequestrado e morto pelo regime militar no Brasil. Assim como o parlamentar, mais de 400 pessoas perderam a vida ou desapareceram no país por razões políticas, como aponta o relatório da Comissão Nacional da Verdade.

A CEMDP é responsável por investigar e identificar essas vítimas, além de indenizar as famílias. Segundo a presidente do colegiado, a procuradora Eugênia Gonzaga, o trabalho ganhou força com a repercussão do longa.

“[O filme] impulsionou muito nesse aspecto do público conhecer e valorizar esse tipo de trabalho”, afirma a procuradora ao Metrópoles. “Por exemplo, grupos de pessoas que são ligadas a desaparecidos do presente e nunca se viam como frutos da mesma violência do período da ditadura, o filme gerou essa consciência de que é a mesma violência de estado, a mesma luta, principalmente das mulheres. O filme está sendo muito didático nesse sentido”, avalia.

Além do reconhecimento popular, Gonzaga conta que a obra de Walter Salles também contribuiu com a situação orçamentária da comissão, que é vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Após o longa, parlamentares se dispuseram a direcionar emendas ao colegiado. A estimativa é que, com esse apoio, o orçamento para as atividades em 2025 chegue a R$ 5 milhões. “Eu acredito que com esse orçamento seja possível cumprir o plano de trabalho para esse ano”, observa.

Prioridades

A comissão de mortos e desaparecidos foi encerrada em dezembro de 2022, na véspera do fim do mandato de Jair Bolsonaro (PL). Na época, o gabinete de transição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apontou a reinstalação do grupo como uma prioridade, mas demorou mais de um ano para que fosse retomada. A lentidão foi criticada por ativistas de direitos humanos.

Após a recriação, em julho, o colegiado passou a se debruçar em acelerar a retificação dos atestados de óbitos das vítimas da ditadura. Em janeiro deste ano, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que os documentos deverão constar a causa da morte como “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro”.

Segundo a presidente da Comissão, a expectativa é reeditar cerca de 400 certidões até o final do primeiro semestre e entregá-las aos familiares em diferentes cerimônias. O trabalho, no entanto, exige um grande esforço.

“Essas certificações têm que ser analisadas a cada situação, verificar a data, a grafia do nome, cônjuge, número de filhos. Porque essas certidões foram lavradas, no passado, pelos próprios órgãos de repressão, e eles colocavam, às vezes, até o nome falso da pessoa, e não o nome verdadeiro”, explica.

O comitê também trabalha no projeto de análise das ossadas do Cemitério Dom Bosco (conhecido como Cemitério de Perus), em São Paulo, para identificar possíveis desaparecidos políticos. Além disso, se debruça na busca de corpos no Araguaia, e cemitérios públicos do Rio de Janeiro e de Recife.

Fortalecimento da democracia

Eugênia Gonzaga destaca que a continuidade da comissão contribui para o fortalecimento da democracia, em um contexto de fragilização das instituições. “Nós entendemos que essa fragilização atual do Estado democrático de direito diz respeito à não justiça de transição no Brasil, à falta de fortalecimento de órgãos, como essa comissão especial, e a falta de punição dos responsáveis”, pontua.

“Eu acredito que com essa visão que agora o tema está ganhando, essa proporção, e essa recriação da comissão com essa estatura, vai ser muito importante para uma transição mais saudável, para o fortalecimento da democracia. Sem retornos, sem retrocessos”, finaliza.

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