Uma lição de dignidade (Por Miguel Esteves Cardoso)

Acho que a discussão entre Zelensky, Trump e Vance na Casa Branca vai ficar na História e até na Mitologia como uma lição de dignidade.

Falamos muito em bullying mas faltam-nos exemplos que se possam ensinar.

No caso de Zelensky, temos um dois contra um, em que os dois são quem mais manda no país mais rico e poderoso do mundo. Têm a faca e o queijo na mão. E estão em casa, na sede desse poder.

Pode até dizer-se que não são dois, antes três contra um. Porque também está presente o imperador da Rússia, exultando com o serviço que lhes prestam os imperadores americanos.

Nos pesadelos dos ucranianos, muito antes da invasão russa, a figura que mais aparece é um monstro bicéfalo, em que uma cabeça é a do pistoleiro do Oeste e a outra é do pistoleiro do Leste, ambas cheias de apetite para comer tudo o que a Ucrânia tem.

Na Casa Branca, este horror tornou-se tricéfalo – e Zelensky não estava a dormir. Ninguém acredita que Trump e Vance eram anfitriões.

Ninguém acredita que não saibam as regras mais elementares da educação. Não há no mundo uma única sociedade, do passado ou do presente, tribal ou cosmopolita, em que Trump e Vance não tenham sido as duas pessoas mais malcriadas, mal-formadas e mal comportadas de toda a história da humanidade.

Perante aqueles dois broncos inchados, Zelensky não pestanejou.

Foi buscar força a todos os ucranianos que morreram por causa da invasão russa. Foi buscar força ao fato de estar em guerra, comparando essa violência e esse medo à mera truculência verbal daqueles dois pavões obesos à frente dele.

O homem pequenino mostrou que não se curva – e que foi por não se curvar que a Ucrânia continua a lutar contra o monstro que o invadiu.

O homem pequenino e vestido de preto fez pouco daquelas fatiotas empoderadas, daqueles cabelos esticados, daquelas gravatas intermináveis que escondem tanto a barriga como uma fila de cabras esconde os Alpes.

Deu-nos uma lição de dignidade que jamais será esquecida.

 

(Transcrito do PÚBLICO)

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