Uma nova ordem mundial (por Gaudêncio Torquato)

A questão é instigante: para onde se encaminhará o planeta nos próximos tempos? Que fenômenos balizarão seus rumos? Que entidades e valores permearão os sistemas políticos? Afinal, quais são os contornos e os eixos de uma Nova Ordem Mundial que começa a ganhar feição, a partir dos movimentos, formas de operação nos processos administrativos das Nações e no próprio sistema político?

Ao analista, impõe-se o dever de examinar o conjunto de hipóteses embutidas nas indagações acima, mesmo sabendo que a tarefa, se realizada no ambiente da Academia, abrigaria densas teses universitárias. Sob a sombra dessa observação, de caráter restritivo, tentarei avaliar o desdobramento dos feitos que se operam nos quadrantes do planeta e que servem de alicerce à edificação dos pilares de uma Nova Democracia , cujos sinais são bastante visíveis no horizonte do amanhã.

O norte que guiará essa modesta análise é a mudança que ocorre no seio da maior democracia ocidental, os EUA. Seu governante, que tomou posse no dia 20 de janeiro passado, em dois meses de administração, assinou, com sua emblemática caneta de ponta grossa (que mais parece um elemento de marketing, por conta da assinatura de decretos exibidos para as Câmeras de TV), o maior acervo de decretos e ordens executivas de que se tem conhecimento na história daquela Nação. Donald Trump, com seu modo abrupto e intempestivo, mais parece um ditador do mundo.

Dito isto, vamos ao conjunto de movimentos/hipóteses que constituem o pano de fundo de uma Nova Ordem Mundial em construção, que se torna crível a partir da ruptura proporcionada pelo modo Trump de governar:

Guerra comercial – O mundo entra, de espada em riste, na arena das tarifas e impostos, a partir da decisão do presidente norte-americano, de elevar o patamar das receitas do Estado. China, Canadá e México são os primeiros três países a reagir aos impactos causados pelo tufão tarifário dos EUA. Outros, entre os quais, o Brasil, se preparam para entrar na liça.

Maiores barreiras protecionistas – A guerra comercial é deflagrada com o argumento de que ela significa a defesa do mercado interno. Seu guerreiro maior é Mr. Trump, cujo discurso tem como foco o fortalecimento do parque produtivo americano. Ocorre que o tarifaço imposto aos parceiros (amigos e inimigos) pode produzir efeito contrário ao esperado, eis que a elevação de custos de produtos alimentícios e commodities certamente impactará e irritará os consumidores. A inflação tenderá a subir.

Globalização perde força – A globalização recua, ao mesmo tempo em que se expande o nacionalismo. Os países fecham fronteiras, levantam bandeiras nacionalistas, e os governos tiram do baú velhos símbolos do populismo, como o fomento de programas assistencialistas, os discursos de exaltação da grandeza de seus territórios (Make America Great Again- MAGA).

Curva à direita – No arco ideológico, é visível o declínio dos partidos de esquerda, alguns soterrados pela avalanche de votos e vitórias obtidas pela direita (moderada e radical). Na Europa, Itália, Alemanha, França e até os países nórdicos são exemplos da inclinação à direita. A social-democracia, sentada no meio do arco ideológico, perde força. Nos EUA, o trumpismo é uma eloquente demonstração de compromisso com valores conservadores da direita.

Pluralismo e diversidade (social, étnica, gêneros) perdem referência nas malhas administrativas; o fomento à meritocracia ganha força- Para dar vazão ao conservadorismo, os governos extinguem ou atenuam a presença de grupos minoritários no desenho institucional, com prejuízo de grupos étnicos/raciais e representações do LGBTQIAPN+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexo, Assexuais, Pan, Não-binárias e mais). O machismo, velho fenômeno cultural, ganha terreno. O mérito passa ser o óleo lubrificador das administrações.

Movimentos migratórios em declínio – O fechamento de fronteiras nacionais, o impulso do nacionalismo e expansão do conservadorismo constroem barreiras para barrar a entrada de imigrantes. Muralhas de contenção de imigrantes voltarão a ser construídas, aumentando a tensão nas fronteiras. O México torna-se o maior vilão das levas migratórias.

7. Nova carta de valores e princípios – soberania, autoestima, direitos humanos- O planeta começa a conviver com uma Nova Ordem. Que altera conceitos, impõe novas regras, muda visões de mundo, reposicionando a escala de valores. Os direitos humanos passam a ser mais vilipendiados. A soberania será sempre um tema recorrente das Grandes Nações e um mero verbete no dicionário de territórios sem poder econômico e militar. A autoestima estará sujeita aos humores da economia.

Ondas de pânico, violência e medo se multiplicarão. Avanços tecnológicos poderão alcançar a meta de humanizar as máquinas. Disputas e ameaças emergirão com maior intensidade, sob o império de uma Nova Guerra Fria.

A conferir.

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, consultor e professor emérito da ECA-USP

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