Papel do CMO: de gestor de marcas a orquestrador de experiências

Era cliente de uma grande agência, sentada em uma sala confortável – pela poltrona e pelo papel de espectadora – assistindo à apresentação de uma campanha anual da marca que gerenciava, quando ouvi de uma profissional sênior de planejamento uma frase que grudou em mim: “Eu gosto do cheiro de povo.”

Ela, no auge dos 60 anos, fazia questão de ir para a rua, ouvir, sentir, tocar e vivenciar as pessoas. Não se limitava a pesquisas controladas em salas espelhadas e gráficos de comportamento.

Aquilo me fez pensar no quanto, mesmo com todas as ferramentas tecnológicas e dados disponíveis, muitas vezes nos afastamos da realidade das pessoas para confiar apenas em números e dados.

Levei essa inquietação para o meu time e propus algo simples: sair do escritório e observar a vida real acontecendo.

Durante um ano, percorremos supermercados e lojas de diferentes regiões do Brasil – Norte, Nordeste e Centro-Oeste – para entender as nuances do consumo, cultura e hábitos locais. Ficou ainda mais claro que um mesmo produto pode ter diferentes significados dependendo de onde e por quem é consumido.

No Sul e Sudeste, carne de panela é um prato de cozimento lento, com pedaços grandes de carne e legumes. No Norte e Nordeste, esse mesmo corte e modo de preparo são chamados de picadinho. Parece um detalhe, mas não é.

No fim do dia, elaboramos mensagens segmentadas e que realmente conversavam com o nosso consumidor, ou seja, gerava identificação e conexão direta com o dia a dia dele. Esses pequenos desafios mostram o quanto conhecer profundamente o consumidor é essencial para qualquer marca que queira dialogar de verdade com o público e fazer parte da vida dele.

Foi nesse processo que entendi que o papel do CMO mudou radicalmente.

Se antes éramos guardiões da marca, responsáveis ​​por narrativas, identidade visual, campanhas estratégicas e P&L, hoje, o CMO precisa ser um orquestrador de experiências. O branding continua sendo essencial, mas se não estiver conectado à realidade emocional e à prática do consumidor, perde relevância.

Não se trata mais apenas de vender um produto ou serviço, mas de compreender como esse produto se encaixa na rotina das pessoas e como se transforma no dia a dia delas.

Philip Kotler já apontou essa mudança ao defender que o marketing precisa evoluir do simples convencimento para a construção de valor. E a construção de valor não ocorre isoladamente em um departamento de marketing.

O CMO precisa integrar diversas áreas da empresa – produto, tecnologia, vendas, atendimento ao cliente – para garantir que cada ponto de contato com a marca seja consistente e entregue uma experiência alinhada à expectativa do consumidor.

Porque no fim, o cliente não separa o que é marketing, inovação de produto ou suporte ao consumidor. Ele simplesmente percebe quando tudo flui bem ou quando algo falha. A experiência que ele percorre ao longo da jornada de consideração, compra e pós compra deve ser fluida.

Por isso, o novo marketing não pode mais ser definido por segmentações rígidas como B2B ou B2C. O que realmente importa é o H2H – Human to Human . Independentemente do setor, vendemos para pessoas. E as pessoas tomam decisões não apenas com base em preços, especificações e campanhas publicitárias, mas por identificação, percepção e sentimento.

Elas escolhem marcas que fazem sentido para a rotina, que falam a mesma língua, que estejam alinhadas aos seus valores e que entendem seu contexto de vida.

O desafio do CMO moderno é equilibrar estratégia, dados e intuição.

Sim, a tecnologia é uma aliada poderosa. Inteligência artificial, análise preditiva e automação permitem entender as necessidades dos clientes em tempo real, personalizar ofertas e criar interações mais assertivas.

Mas, se confiamos apenas nisso, sem o olhar humano, corremos o risco de transformar consumidores em apenas mais um dado na planilha. Podemos segmentar, otimizar e automatizar, mas se não somos capazes de nos conectar de verdade com as pessoas, nada disso traz valor real.

Aquela frase, dita de forma despretensiosa naquela reunião, me fez enxergar algo que carrego comigo até hoje: o melhor plano de marketing do mundo não nasce dentro de uma sala de reuniões. Ele nasce na rua, nos corredores dos supermercados, nas conversas casuais, no jeito que um produto é pego na prateleira ou deixado de lado.

O papel do CMO não é apenas contar histórias bonitas, mas garantir que a marca realmente faça parte da história das pessoas. E isso só acontece quando a gente sente o cheiro do povo.

Luciana Marques é fundadora da ConSentidos.

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