Lei que proíbe celulares em sala de aula busca melhorar aprendizado e saúde mental de estudantes

 

O uso crescente de dispositivos móveis entre crianças e adolescentes tem se tornado uma preocupação para pais e educadores. A exposição prolongada às telas pode afetar o desenvolvimento cognitivo, o desempenho escolar e até a saúde mental dos jovens. Diante desse cenário, uma nova lei foi aprovada para restringir o uso de celulares dentro da sala de aula, com a intenção de reduzir efeitos negativos e incentivar a concentração no ensino. Mas quais são as reais consequências do excesso de tecnologia e de que maneira a sociedade pode contribuir para um uso mais equilibrado?

Segundo Marcos Pavione, pediatra e professor da Universidade Tiradentes (Unit), o cérebro infantil passa por intensas transformações, especialmente nos primeiros quatro anos de vida. “Nesse período, as conexões neuronais estão em processo de expansão e amadurecimento. O contato excessivo com telas pode influenciar esse desenvolvimento de forma inadequada, afetando a produção de neurotransmissores e interferindo no funcionamento natural das vias de prazer, apego e compensação. Isso pode comprometer o progresso da linguagem, autoestima, cognição e habilidades sociais”, explica o médico.

Impacto das telas na memória e na aprendizagem

O uso prolongado de dispositivos eletrônicos também pode prejudicar a memória e a capacidade de aprendizado. Pavione alerta que a dependência da tecnologia reduz o tempo de convívio social com amigos e familiares, o que pode dificultar o desenvolvimento de competências emocionais e sociais. “As telas oferecem estímulos intensos e rápidos, o que pode dificultar a concentração em atividades que exigem foco e repetição, como os estudos. Além disso, a facilidade de encontrar informações na internet pode gerar uma falsa sensação de aprendizado, sem o real desenvolvimento da memória e do raciocínio crítico”, destaca.

Qualidade do sono, emoções e relações interpessoais

Outro efeito preocupante do tempo excessivo de tela é a interferência na qualidade do sono infantil. “A luz azul emitida pelos dispositivos pode inibir a produção de melatonina, hormônio responsável pelo sono. Isso pode resultar em dificuldades para adormecer e manter um sono profundo, além de aumentar episódios de pesadelos e terrores noturnos. Como consequência, a criança pode apresentar sonolência durante o dia, comprometendo a concentração e o rendimento escolar”, alerta o pediatra.

No campo emocional, a exposição exagerada a dispositivos digitais tem sido associada ao aumento de transtornos como ansiedade, depressão e dificuldades de interação social. De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, 95% dos jovens entre 9 e 17 anos acessam a internet frequentemente, e dentro desse grupo, 26% relataram ter sofrido cyberbullying, enquanto 20% mencionaram problemas como distúrbios alimentares ou do sono. “O contato excessivo com redes sociais pode gerar forte pressão psicológica, incentivando o isolamento e afetando a autoestima, o que, em alguns casos, pode levar à depressão”, pontua o especialista.

Durante a adolescência, o córtex pré-frontal ainda está em desenvolvimento, o que dificulta o controle de impulsos, a tomada de decisões e a atenção sustentada. Essa imaturidade pode levar os jovens a um envolvimento intenso com redes sociais, favorecendo comportamentos compulsivos, como a busca excessiva por curtidas e interações. “Quando somamos isso ao risco do cyberbullying, criamos um ambiente de pressão intensa, capaz de gerar frustração, isolamento, agressividade e, em alguns casos, até quadros depressivos. Além disso, esses fatores podem comprometer o rendimento escolar e aumentar o risco de envolvimento com substâncias psicoativas”, adverte Pavione.

Consequências físicas e riscos auditivos

Além dos efeitos emocionais e cognitivos, o uso abusivo da tecnologia também pode comprometer a saúde física das crianças. “O sedentarismo associado ao tempo excessivo de tela está relacionado ao aumento do risco de obesidade e doenças metabólicas, como diabetes tipo 2. Além disso, há indícios de que o uso prolongado de dispositivos eletrônicos pode contribuir para problemas de visão, como a miopia, e para distúrbios posturais”, destaca o pediatra.

Outro ponto de preocupação é o uso contínuo de fones de ouvido com volume elevado. “A exposição prolongada a sons altos pode causar danos irreversíveis à audição, elevando o risco de perda auditiva precoce”, alerta o especialista.

A presença da tecnologia no ambiente escolar

A decisão de proibir celulares em sala de aula está diretamente ligada ao desempenho acadêmico. Para Michelline Simões, pedagoga e gerente de avaliação da Unit, o uso descontrolado de dispositivos pode prejudicar a concentração dos alunos. “A tecnologia tem grande potencial como ferramenta educacional, mas também pode se tornar um fator de distração, reduzindo o engajamento com o aprendizado e a interação entre os estudantes”, afirma.

Ela enfatiza a importância de que os professores definam regras claras para o uso da tecnologia na escola, garantindo que sua aplicação ocorra de forma intencional e alinhada aos objetivos pedagógicos. “A incorporação de recursos digitais no ensino deve ser planejada e estruturada para contribuir efetivamente para a aprendizagem. Além disso, a formação continuada dos professores é essencial para que saibam como utilizar essas ferramentas de maneira estratégica”, explica.

Simões também ressalta que, embora os educadores desempenhem um papel crucial na orientação sobre o uso consciente da tecnologia, a participação da família é indispensável. “Se a escola impõe restrições ao uso das telas, mas em casa isso não é controlado, a mensagem transmitida aos alunos pode ser contraditória, levando-os a enxergar a proibição como uma punição. Os responsáveis precisam refletir sobre seus próprios hábitos digitais e adotar uma postura coerente para auxiliar nesse processo”, sugere.

Estratégias para um uso equilibrado da tecnologia

Diante desse cenário, especialistas recomendam que pais e educadores adotem medidas para garantir um consumo mais consciente da tecnologia. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) estabelece os seguintes limites diários para o tempo de tela:

  • Menores de 2 anos: evitar totalmente a exposição.
  • De 2 a 5 anos: no máximo 1 hora por dia, sempre com supervisão.
  • De 6 a 10 anos: limitar a 2 horas diárias, com acompanhamento.
  • De 11 a 18 anos: não ultrapassar 3 horas por dia.
  • Evitar o uso de telas no período noturno.

Além dessas recomendações, Pavione e Simões apontam algumas boas práticas:

  • Garantir que o tempo de tela não substitua momentos de interação familiar e estímulos ativos.
  • Evitar recorrer a dispositivos eletrônicos como ferramenta para acalmar ou distrair a criança.
  • Reduzir ao mínimo o tempo diário de exposição a telas, seguindo as diretrizes médicas.
  • Implementar mecanismos de controle parental para monitorar o uso da tecnologia.
  • Acompanhar ativamente o conteúdo acessado pelas crianças.
  • Realizar campanhas educativas para conscientizar pais, educadores e profissionais da saúde.

Com a proibição do uso de celulares durante as aulas, espera-se que os alunos se dediquem mais ao aprendizado. “Métodos pedagógicos que incentivam a participação ativa dos estudantes contribuem para o desenvolvimento de habilidades fundamentais, como cooperação e pensamento crítico. No entanto, se houver dificuldades persistentes de aprendizagem, problemas de atenção ou mudanças de comportamento, é essencial que os professores orientem as famílias a buscar avaliação especializada”, conclui Michelline.

Fonte: Asscom Unit

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