A Suprema Corte e Donald Trump (por Joaquim Falcão)

Potenciais novas – talvez inéditas – ações judiciais, vão chegar à Suprema Corte dos Estados Unidos. Contra ou a favor de Donald Trump. E aí?

Nesta semana, Trump usou uma lei de 200 anos (“The Alien Enemies Act”), invocada apenas três vezes e somente em períodos de guerra declarada – o que não é o caso –,  para expulsar dos EUA venezuelanos. Deportá-los. Por avião.

O juiz James Boasberg, da primeira instância da Justiça Federal de Washington D. C., mandou tudo suspender. E, se tivesse avião no ar, imediatamente desse meia-volta. Trump não obedeceu.

O jovem Mahmoud Khalil, regular estudante na Columbia University, participou no campus de atos pró-Palestina. Trump taxou como “un-American activity” – o que quer que isso queira dizer. Foi preso, exilado em Louisiana. Trump já se movimenta para deportá-lo. A despeito de seu green card. Considerado imigrante ilegal. O que não é.

A Universidade de Columbia, como “punição” e sob a acusação de estar “escondendo estudantes” que a Administração Trump persegue, deixará de receber 400 milhões de dólares. Entre contratos, financiamento e concessão de bolsas de pesquisa, que recebe do governo americano.

Lá, a liberdade de expressão permite falar o que queira. Com poucos limites ao conteúdo. Em geral, apenas atos concretos podem ser ilegais. Foi o caso de Khalil.

Esclarece o prof. Paulo Daflon Barrozo, da Boston College Law School: falar pode, atuar não. E acrescenta: “O que importa, para entender a estratégia de Trump, não é analisar um ou outro ato isoladamente. Mas juntá-los. Fazem parte de estratégia mais ampla. De intimidação da sociedade civil. Da desmoralização e esvaziamento das instituiçõs de Estado. De neutralização de oposição ao seu crescente poder”.

Essas e muitas outras executive orders de Trump podem acabar na Suprema Corte. Impossivel prever com exatidão o que acontecerá. Algumas possibilidades podem ser delineadas.

Quando uma ação chegar, quem estará em julgamento diante da opinião pública não será Trump. Mas a própria Suprema Corte. O sistema politico de freios e contrapesos do poder irá funcionar? Seus justices devem ponderar. Até que ponto a Corte será ou parecerá submissa ao Executivo? Arriscará violar um dos valores da democracia: a imparcialidade. Colocar, por si própria, sua legitimidade em questão.

O fato dos justices conservadores serem maioria não dita automaticamente a decisão. Por exemplo, o Chief Justice John Roberts e Justice Amy Coney Barrett, ex-professora da Universidade de Notre Dame, não são votos automáticos. Aqui e ali, provavelmente, vão temperar decisões. Vide caso recente.

A Suprema Corte manteve, neste momento, por 5 a 4, decisão de primeira instância que rejeitava pedido de Trump para congelar US$ 2 bilhões em ajuda externa. John Roberts e Amy Coney Barrett, apesar de serem da ala mais conservadora, alinharam-se aos mais “liberais”. Definiram o resultado. Que, no fundo, foi não entrar no mérito da questão. Adiar.

Em inúmeros casos, a Supreme Court não aceitou uma mudança drástica de orientação da ordem jurídica. Afirmando que os cidadãos não tinham ainda uma clara posição sobre o problema. In dubio, pro cautela.

O melhor é deixar baixar a poeira.

Diferenças entre EUA e Brasil são importantes. Nos EUA, não há ação direta de inconstitucionalidade. Salvo algumas poucas hipóteses, como certos casos de Habeas Corpus. Não se pode ir diretamente ao Supremo.

Há que se percorrer um canal processual que começa na primeira instância estadual ou federal. Vai às Circuit Courts, segunda instância. Só depois chega à Suprema Corte. Leva tempo.

O mais provável é que tenhamos múltiplas decisões pipocando na primeira instância e nas Circuit Courts. Mais ainda.

Ao contrário daqui, a Suprema Corte não é obrigada a julgar tudo que lhe chega. Seu juízo de admissibilidade é volátil, sem necessidade de dar maiores explicações.

Prudente, pois, é a corte esperar as reações nacionais às múltiplas decisões de Trump. Tomar a temperatura do pais.

As pesquisas de opinião,  apesar da expressiva vitória em votos de Trump sobre Kamala, mostram diferenças ainda mínimas. Dois pontos para cá, dois pontos para lá.

Sem falar na pedra maior do caminho: as midterm elections. Isto é, as eleições legislativas para o próximo ano.

João Cabral de Melo Neto, nosso poeta-mor, dizia que esperar é um suplício. E exemplificava. Frei Caneca, sentado no banco do cadafalso, no Recife, aguardando os carrascos da morte, após ser condenado por D. Pedro I. Viveu o suplício de esperar o suplício.

Para muitos na mira do Trump, o esperar pela Suprema Corte pode ser um suplício. Será? É o modelo norte americano de democracia que irá para julgamento na Suprema Corte.

 

Joaquim Falcão é professor de direito constitucional, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

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