Sumiço dos tatuís volta a preocupar cientistas no Brasil e no mundo

*O artigo foi escrito pelos pesquisadores Rayane Romao Saad Abude (Uerj), Daniel Andrade Moreira (Fiocruz), Gisele Lôbo Hajdu (Uerj) e Tatiana Medeiros Barbosa Cabrini (Unirio), e publicado na plataforma The Conversation Brasil.

Talvez você já tenha se deparado com os carismáticos tatuís em algumas praias. Esses pequenos crustáceos da espécie Emerita brasiliensis pertencem à ordem Decapoda e passam a maior parte da vida enterrados entre os grãos de areia, na região de espraiamento, entre o ir e vir das ondas.

Apesar de sua importância ecológica, os tatuís são muito sensíveis a impactos ambientais e atividades humanas, sendo bioindicadores de qualidade ambiental. A queda no número desses animais tem sido observada em praias arenosas de várias partes do mundo ao longo das últimas décadas. Em alguns momentos, no entanto, seu reaparecimento é comemorado.

Como esses crustáceos possuem ciclos naturais de crescimento e reprodução que variam ao longo do ano e são influenciados por fenômenos climáticos, como El Niño e La Niña, surge a dúvida: até que ponto o desaparecimento dos tatuís é um processo natural ou um reflexo da degradação ambiental causada por ações humanas?

Antes de se enterrar, eles se dispersam

Algumas respostas podem ser buscadas no ciclo de vida desses animais. A forma clássica como os conhecemos, enterrados na areia, é chamada de fase bentônica. Mas, muito antes disso, os ovos carregados pelas fêmeas eclodem, gerando pequenas larvas. Elas são liberadas nas águas marinhas e passam por oito estágios de desenvolvimento, em até 90 dias, antes de retornarem à areia. Durante essa fase, são transportadas por correntes marinhas e marés, que funcionam como um conector entre praias diferentes.

Em Ecologia, os grupos geneticamente conectados, mas separados espacialmente por processos de dispersão, são chamados de “metapopulações”. Um dos modelos desse conceito é o “fonte-sumidouro”: algumas praias funcionam como fontes, fornecendo novos indivíduos, enquanto outras atuam como sumidouros, recebendo tatuís, mas sem condições de sustentar seu crescimento e reprodução. Isso explica porque o avistamento momentâneo de tatuís nem sempre representa uma presença efetiva.

A importância de identificar os sumidouros

Tatuís desempenham um papel relevante na cadeia alimentar. Apesar de enterrados, mantêm suas antenas filtradoras em contato com a água, de onde obtém nutrientes microscópicos e pequenas partículas orgânicas, além disso, são alimento para crustáceos maiores, peixes, gaivotas e outras aves costeiras. Por isso, são chamados de “elos tróficos”, que conectam o mundo microscópico a predadores de níveis superiores na cadeia.

Nosso grupo de pesquisa, apoiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), reúne laboratórios de ecologia e genética das universidades do Estado do Rio de Janeiro (Uerj),Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e da Fundação Oswaldo Cruz. Em uma revisão recente de 61 estudos publicados entre 1974 e 2023, identificamos seis principais fatores antrópicos que afetam o gênero Emerita no mundo: toxinas, microplásticos, pressões nas areias (como pisoteio e práticas de limpeza), variações na temperatura da água, alterações nos canais de descarga de água doce (geralmente por esgoto tratado) e modificações físicas na região da praia por obras de engenharia.

Portanto, a redução populacional dos tatuís pode ter múltiplas causas, como poluição, impactos diretos sobre a areia, até mudanças nas condições das águas e efeitos das mudanças climáticas globais. Essa revisão também revelou que os tatuís estão se tornando menos abundantes em várias regiões, incluindo México, Uruguai, Estados Unidos, Índia, Irã e Brasil.

O que acontece no Rio de Janeiro?

Os tatuís são estudados no Estado do Rio de Janeiro desde os anos 1990. Suas populações são registradas desde a Baía da Ilha Grande e adjacências da Baía de Sepetiba, no litoral sul, passando pela região metropolitana e algumas praias da Baía de Guanabara, e estendendo-se até São Francisco de Itabapoana, no litoral norte.

Na capital, a Praia de Fora, localizada em uma área militar de acesso restrito, no bairro da Urca, tem sido um modelo para estudos de invertebrados marinhos em geral. Ali, os tatuís são monitorados desde 1993 e permanecem relativamente abundantes durante todo o ano, embora também tenham sofrido uma queda populacional ao longo dos anos. Outra região possivelmente fonte desses animais é a Restinga da Marambaia, também sob proteção militar.

Entretanto, os tatuís raramente são encontrados em outras praias mais frequentadas, como Praia Vermelha e Copacabana. Nossa equipe tem avaliado essas dinâmicas em praias do Rio de Janeiro, num amplo estudo que integra biologia populacional, genética de populações e hidrodinâmica marinha. Nossos resultados preliminares indicam que a ação humana parece ser um dos principais fatores responsáveis pelo declínio desses animais.

Impacto da alta temporada turística

Observamos, por exemplo, que a temporada de chegada dos tatuís às praias (assentamento pós-larval) do Rio de Janeiro acontece principalmente nos meses de verão, entre dezembro e março, coincidindo com a alta temporada turística. Esse é um problema relevante, pois os jovens tatuís são extremamente vulneráveis aos impactos humanos diretos, até passarem pela primeira muda e desenvolverem uma carapaça mais rígida. De fato, nas praias mais impactadas, observamos aparições restritas principalmente ao verão, com indivíduos predominantemente no estágio juvenil e recém-assentados, que dificilmente sobrevivem até a fase adulta.

Por outro lado, as praias-fonte apresentam estruturas populacionais complexas, com indivíduos de todas as classes de tamanho em todos os meses do ano. Na Praia de Fora, a partir de uma amostragem sistematizada, em 189 fêmeas ovígeras coletadas ao longo de um ano, foi verificada uma fecundidade média de 5,3 mil ovos por fêmea – somando mais de um milhão de ovos no período.

Apesar do grande número de ovos, há uma perda significativa ao longo do desenvolvimento embrionário, que dura de dez a dezenove dias. A fecundidade média variou em mais de 80% entre o primeiro e os últimos estágios, principalmente devido à fricção no enterramento e ao dinamismo das praias. Menos de 1% dos ovos que chegaram ao estágio final resultaram em novos indivíduos na Praia de Fora e na Restinga da Marambaia. Isso indica uma perda expressiva na fase larval, influenciada tanto por fatores naturais quanto por impactos humanos.

O que esperar para o futuro?

Ainda precisamos de alguns resultados para concluir o estudo e ter uma completa compreensão sobre a conectividade entre as praias avaliadas e as dinâmicas da metapopulação de tatuís no Rio de Janeiro. Ao final, pretendemos definir seu status de conservação e ameaça, além de orientar ações de manejo para a conservação da espécie.

Garantir praias saudáveis não significa apenas preservar os tatuís, mas também manter o equilíbrio de um ecossistema essencial. Para isso, é fundamental reduzir impactos diretos na areia, além de promover a conscientização sobre a importância desses pequenos e importantes habitantes das praias.The Conversation

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