Caso Vitória: guerra de versões põe em xeque confissão de Maicol

São Paulo — Três dias após a Polícia Civil afirmar que o principal suspeito pelo assassinato brutal de Vitória Regina de Souza, de 17 anos, teria confessado o crime, os advogados de defesa continuam a questionar a legitimidade da confissão, levantando questionamentos sobre a transcrição do interrogatório que foi divulgada pela polícia.

No documento, datado de 17 de março, consta que Maicol Antônio Sales dos Santos, de 23 anos, disse que matou a adolescente sozinho com duas facadas, após chamá-la para uma conversa em seu carro e os dois começarem a discutir, em razão de um caso que teriam tido há cerca de um ano e meio. O suspeito teria dito que a menina estaria ameaçando contar sobre isso para a esposa dele.

As primeiras informações sobre a confissão de Maicol surgiram durante a tarde da última segunda-feira (17/3), quando autoridades da Polícia Civil e da Secretaria da Segurança Pública (SSP) informaram jornalistas de que o suspeito havia confessado. Naquele momento, a confissão ainda não havia sido formalizada.

Diante da suposta sinalização de que Maicol pretendia confessar, a defesa foi chamada à Delegacia Seccional de Franco da Rocha, para acompanhar o procedimento. Os advogados deixaram o local dizendo que  foram impedidos de conversar com o cliente e afirmando que Maicol não havia confessado o crime.

A defesa então acionou a secção de Cajamar da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que enviou representantes ao local. Diante de jornalistas na porta da delegacia, o presidente da OAB Cajamar, Rafael Adriano da Rocha, negou que tenha havido irregularidade no procedimento, mas garantiu que, até aquele momento, não havia ocorrido confissão por parte de Maicol.

“Com relação às questões meritórias ao inquérito, não estamos autorizados a passar qualquer tipo de informação. A única questão que nos foi autorizado é que não houve qualquer tipo de confissão”, disse Rafael Adriano, por volta das 20h.

Em entrevista coletiva, concedida na manhã do dia seguinte, 18 de março, os delegados Fabio Cenachi, de Cajamar, e Luiz Carlos do Carmo, diretor do Demacro, disseram que a confissão teria ocorrido de madrugada, após os advogados de Maicol deixarem a delegacia.

Segundo a polícia, a defesa “abandonou” o cliente como uma manobra para tentar evitar a confissão, já que o investigado precisaria estar acompanhado de um advogado para que o interrogatório tivesse validade.

Diante disso, o delegado Fabio Cenachi, responsável pela investigação, teria chamado uma advogada da própria OAB para acompanhar o interrogatório.

“A polícia também não pode estar suscetível a manobras da defesa. Se de repente ele sabe que aquela peça que vai ser produzida vai colidir com a linha de defesa apontada, o que faço eu? Viro as costas, vou embora e abandono o réu. Nós estamos suscetíveis a isso. Eu não posso deixá-lo desassistido, mas eu posso sim nomear um advogado que chama ad hoc para o ato. Foi o que eu fiz”, disse Cenachi na ocasião.

Ouvida pela reportagem, a advogada que acompanhou o depoimento de Maicol disse que conversou com ele em uma sala reservada e que na sequência ele confessou o crime espontaneamente.

Os advogados de Maicol afirmam que somente nesta quinta-feira (20/3) conseguiram conversar com o cliente. Além disso, a equipe de defesa afirmou ao Metrópoles que “provavelmente” irá pedir a anulação da confissão.

Pedido de habeas corpus

A defesa de Maicol pediu um habeas corpus à Justiça para que o cliente responda as acusações em liberdade.

No pedido, a defesa de Maicol apontou pontos que considerou mentirosos nos depoimentos de outros investigados no caso. Um dele é o fato de Gustavo Vinícius — ex-namorado da jovem — ter dito que não via a vítima há meses, sendo que, por meio de rastreios telefônicos, a polícia teria apontado a presença do mesmo próximo da vítima.

Além disso, os advogados reforçam que Maicol se apresentou espontaneamente à delegacia e ofereceu seu veículo para ser periciado três vezes, conduta que, segundo a defesa, não foi levada em consideração pela autoridade policial.

Segundo os defensores, Maicol possui residência fixa, emprego e é réu primário. Eles dizem que nenhuma das testemunhas citaram algum tipo de ameaça por parte do investigado e que ele só foi considerado “um suspeito, pois, algumas testemunhas, após verem os noticiários, começaram a elucubrar sobre o ocorrido, sendo certo que, em todas as oportunidades em que alguém aponta o investigado, consta, parafraseando, ‘após ver os noticiários, imaginei’”.

Por essas argumentações, os advogados acreditam que a prisão de Maicol é dispensável.

Segundo o processo obtido pela reportagem, o juiz João Augusto Garcia, da 5ª Câmara de Direito Criminal, foi designado como relator da solicitação. O caso tramita em segredo de Justiça e caráter de urgência para análise do pedido em liminar.

Confissão

Conforme noticiado pelo Metrópoles, Maicol Sales dos Santos, de 27 anos, teria confessado ter cometido o crime sozinho durante um depoimento dado na última segunda-feira (17/3).

“Ontem (17/3) à noite, ele quis confessar o crime. A confissão foi tomada pelo doutor Fabio. Ele dá a confissão e fica muito claro que ele era obcecado pela vítima. [Além de fotos de Vitória], encontramos 50 fotos de pessoas com a mesma aparência da jovem, a mesma aparência física. A polícia tentou identificar todas essas pessoas para ver se tinha algum B.O. [Boletim de Ocorrência]. Mas nada tinha acontecido com elas”, disse o delegado Luiz Carlos do Carmo em coletiva de imprensa, nesta terça-feira (18/3).

Em nota veiculada ainda na manhã desta terça, os advogados do único preso negaram a confissão do cliente, tentando desmentir a versão policial.

O suspeito está preso desde o último dia 8 de março. O carro de Maicol, um Toyota Corolla prata, foi visto no local em que a menina foi levada momentos antes do crime. A polícia disse ter encontrado manchas de sangue no porta-malas do veículo. O material genético colhido na perícia será submetido a exames técnicos para comprovar que se trata do sangue da adolescente.

Laudo pericial do Instituto Médico Legal (IML) indica que a jovem não sofreu violência sexual antes de ser morta. O documento aponta que exames da região genital/perineal constataram que não houve “lesões traumáticas de interesse médico-legal”. Além disso, a pesquisa por espermatozoides deu resultado negativo.

De acordo com o laudo, a jovem apresentava perfurações no tórax, no pescoço e no rosto, que seriam a causa da sua morte. Não há evidências de que Vitória teria sido degolada, conforme noticiado a princípio pela polícia. O documento cita, ainda, que a vítima tinha “cabelos ausentes”.

No entanto, ao contrário do que foi divulgado anteriormente pela própria polícia, não há indícios de que tenha havido tortura. Vitória foi morta já no arrebatamento, após reagir a ação do criminoso. O delegado disse que o descolamento do cabelo pode ter ocorrido devido à decomposição do cadáver.

“Obcecado” por Vitória

Metrópoles já havia informado que as investigações apontavam para uma obsessão de Maicol por Vitória.

O advogado da família de Vitória, Fábio Costa, disse que, no celular dele, foram encontradas fotos da adolescente e de outras garotas com características físicas semelhantes, além de imagens de facas e revólver.

As investigações também descobriram que Maicol visualizou uma postagem feita por Vitória no Instagram, quando a jovem esperava pelo ônibus que a levaria de volta para casa. O indício é de que, com isso, o suspeito sabia exatamente o horário que ela chegaria.

Segundo as autoridades, Maicol é um psicopata e, por isso, teria agido sozinho no crime. “Uma pessoa dessa [com o perfil psicológico de Maicol] não consegue trabalhar com outro psicopata”. O delegado Luiz Carlos do Carmo ainda cita a literatura da psicopatologia para dizer que somente o detido poderia ter praticado o crime.

“Ele é um psicopata. Um psicopata. Ele não comenta, não fala sobre o aconteceu depois”.


A morte de Vitória

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Vitória Regina

Vitória em festa de formatura
Vitória Regina de Souza, de 17 anos
Jovem desapareceu em Cajamar, na região metropolitana de SP
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Corpo de Vitória Regina de Souza, 17, foi encontrado com sinais de tortura e decapitado em Cajamar (SP). Polícia ouviu 14 pessoas envolvidas

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Vitória Regina de Souza, de 17 anos

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Jovem desapareceu em Cajamar, na região metropolitana de SP

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  • Vitória Regina de Souza, de 17 anos, foi encontrada decapitada e com sinais de tortura na tarde do dia 5 de março, em uma área rural de Cajamar, na Grande São Paulo. Ela estava desaparecida desde o dia 26 de fevereiro, quando voltava do trabalho.
  • Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que o corpo estava em avançado estado de decomposição. A família reconheceu o corpo por conta das tatuagens no braço e na perna e um piercing no umbigo.
  • Imagens de câmeras de segurança mostram a jovem chegando a um ponto de ônibus no dia 26 de fevereiro e, posteriormente, entrando no transporte público. Antes de entrar no coletivo, a adolescente enviou áudios para uma amiga nos quais relatou a abordagem de homens suspeitos em um carro, enquanto ela estava no ponto de ônibus.
  • Nos prints da conversa, a adolescente afirma que outros dois homens estavam no mesmo ponto de ônibus e que lhe causavam medo. Em seguida, ela entra no ônibus e diz que os dois subiram junto com ela no transporte público — e um sentou atrás dela.
  • Por fim, Vitória desce do transporte público e caminha em direção a sua casa, em uma área rural de Cajamar. No caminho, ela enviou um último áudio para a amiga, dizendo que os dois não haviam descido junto com ela. “Ta de boaça”. Foi o último sinal de Vitória com vida.

 

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