Bolsonaro não tem nada de İmamoğlu

Desesperado com a proximidade do julgamento dos golpistas e frustrado com o desprezo de Trump, uma parte do bolsonarismo encontrou um caso internacional para exemplificar “a ditadura cloroquina” a que é submetido: a prisão do prefeito de Istambul, Ekrem İmamoğlu. Mais uma vez um turbilhão de fake news tentam aproximar contextos e personagens completamente diferentes.

Pouca gente se interessa pela política na Turquia a bem da verdade, mas vamos lá. Bolsonaristas tentam sugerir que o político turco e o ex-presidente brasileiro seriam vítimas de perseguição política. No entanto, enquanto na Turquia a prisão de İmamoğlu ocorre em um regime cada vez mais autoritário, no Brasil as investigações contra Bolsonaro seguem o devido processo legal, respeitando princípios democráticos e jurídicos.

Além disso, Bolsonaro não foi preso – ao contrário, ainda mantém sua influência política e participa de articulações para fortalecer sua base conservadora. Mesmo sua inelegibilidade, determinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ocorreu dentro de um processo transparente e seguindo normas democráticas.

Outra diferença é a reação popular. Na Turquia, protestos massivos tomaram as ruas de Istambul e Ancara contra a prisão de İmamoğlu, denunciando a arbitrariedade do governo. Já no Brasil, as manifestações bolsonaristas perderam força, mostrando que a anistia aos golpistas fragmentam sua base.

Ekrem İmamoğlu é membro do Partido Republicano do Povo (CHP), e prefeito de Istambul há 6 anos. Sua eleição representou um grande revés para o presidente Recep Erdoğan, cujo partido, o AKP, governava a cidade há 25 anos. Após vencer as eleições de março de 2019, sua vitória foi contestada pelo governo e anulada pelo Conselho Eleitoral da Turquia. Em uma nova eleição realizada em junho do mesmo ano, İmamoğlu saiu vitorioso com uma margem ainda maior, consolidando-se como uma forte figura da oposição.

İmamoğlu tem se destacado por seu discurso moderado e unificador, evitando a polarização política. Sua administração em Istambul buscou combater o clientelismo e promover a transparência na gestão pública. Ele foi preso sob acusações de corrupção e supostas ligações com o terrorismo. Além disso, a Universidade de Istambul invalidou seu diploma, o que, segundo as leis turcas, o desqualificaria para disputar futuras eleições nacionais.

As aproximações entre Bolsonaro e Erdogan são bem claras. Ambos adotam discursos nacionalistas e práticas políticas que envolvem o enfraquecimento de instituições democráticas. Erdogan consolidou o poder na Turquia ao longo dos anos, reduziu a independência do Judiciário e reprimiu opositores. Bolsonaro quando presidente frequentemente atacava instituições como o STF e as urnas, além de demonstrar simpatia por governos autoritários.

Erdogan e Bolsonaro compartilham uma retórica que acusa a mídia de manipulação e as elites de conspirar contra seus governos. Erdogan fechou veículos de imprensa e perseguiu jornalistas. Erdogan tem raízes no islamismo político e usou a religião como ferramenta de governo, apesar do caráter laico da Turquia. Bolsonaro se apoia em algumas lideranças evangélicas para angariar votos e defender pautas conservadoras.

A prisão de İmamoğlu simboliza um retrocesso democrático na Turquia, enquanto as investigações contra Bolsonaro demonstram a maturidade institucional do Brasil. Comparar os dois casos é ignorar o contexto político de cada país e minimizar os ataques reais à democracia promovidos por Erdogan.

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