Ex-diretor da ANA vai ganhar 5 vezes mais em empresa de saneamento

Ex-diretor da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Filipe de Mello Sampaio Cunha recebeu uma proposta para ganhar cinco vezes mais que um diretor da agência para fazer lobby em uma empresa que tem interesses no setor.

A nova remuneração é de R$ 70 mil. O salário básico de um diretor na ANA é de R$ 14.364,38.

O mandato dele à frente da agência reguladora terminou no dia 15 de janeiro. Sampaio, no entanto, está de quarentena remunerada porque recebeu a proposta para ser diretor de relações institucionais na Companhia de Saneamento das Américas SA.

O salário da ANA não é a única remuneração de Filipe Sampaio. Servidor de carreira do Ministério Público do Trabalho (MPT), ele recebe mais R$ 25.768,90 de “remuneração bruta (já com benefícios)”, segundo informou a assessoria de imprensa.

Em conversa com a coluna, Filipe Sampaio disse que recebeu a proposta em agosto do ano passado para trabalhar na empresa ligada ao setor de saneamento e águas. Então, acionou a Comissão de Ética Pública da Presidência da República (CEP), em novembro, para saber se poderia assumir o cargo.

O órgão colegiado entendeu que havia conflito de interesse e impôs quarentena de seis meses, para evitar o efeito da chamada porta giratória. Ele desempenhava a função de Diretor Supervisor Técnico de Saneamento Básico na ANA.

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Diretor da ANA Filipe Sampaio, em agosto de 2024, durante cerimônia de instalação do Conselho Latino-americano da Água (CLAA)

Diretor da ANA Filipe Sampaio e 
Lupercio Ziroldo Antonio
Diretor da ANA Filipe Sampaio postava rotina do cargo em agendas públicas nas redes sociais ao lado de autoridades
Perfil de Filipe Sampaio na rede social Instagram
Filipe Sampaio, então diretor da ANA, em agosto de 2024, durante o Conselho Latino-Americano da Água (CLAA), durante o 1º Fórum Brasil das Águas em Foz do Iguaçu
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Diretor da ANA Filipe Sampaio, em agosto de 2024, durante cerimônia de instalação do Conselho Latino-americano da Água (CLAA)

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Lupercio Ziroldo Antonio

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Diretor da ANA Filipe Sampaio postava rotina do cargo em agendas públicas nas redes sociais ao lado de autoridades

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Filipe Sampaio, então diretor da ANA, em agosto de 2024, durante o Conselho Latino-Americano da Água (CLAA), durante o 1º Fórum Brasil das Águas em Foz do Iguaçu

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 O futuro cargo do diretor da ANA em empresa de saneamento

A coluna teve acesso ao teor da proposta de trabalho que Filipe Sampaio recebeu da Companhia de Saneamento das Américas S.A. O cargo inclui a função de acompanhar as outorgas da ANA, manter proximidade com a agência reguladora, e identificar oportunidades para aproximar a empresa de autoridades públicas (ou seja, fazer lobby).

“Suas atribuições incluem monitorar a agenda política e regulatória, identificando riscos e oportunidades, aproximando a empresa de autoridades das três esferas de governo. Além disso, caberá ao Diretor de Relações institucionais acompanhar as outorgas do setor de recursos hídricos, sejam aquelas conferias pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA e órgãos gestores estaduais de recursos hídricos”, diz o texto.

“No que se refere às normas de referência do setor de saneamento básico, o Diretor precisará manter proximidade com a ANA e as entidades reguladoras infranacionais que regulam água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem urbana. Por fim, como condição para contratação, é necessário que o senhor tenha aprovada autorização por parte da Comissão de Ética Pública da Presidência da República para atuar nos setores da empresa”.

Filipe Sampaio ficou no cargo de diretor da ANA durante dois anos e oito meses. A quarentena remunerada encerra no dia 15 de julho. Até lá, ele continua recebendo salário custeado pelo governo federal. Sampaio pode continuar usufruindo, neste período, dos benefícios que tinha enquanto diretor da agência reguladora: morar no imóvel funcional na Asa Norte, em Brasília. Os equipamentos eletrônicos, como notebook e celular, foram devolvidos.

Entenda a decisão da Comissão de Ética que impôs quarentena a diretor da ANA

A decisão da CEP tem respaldo legal. Uma lei de 2019, que trata sobre as agências reguladoras, impede que membros de conselhos e colegiados, a exemplo da ANA, prestem qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência. A lei impõe quarentena de seis meses e remuneração compensatória.

Na decisão, a Comissão de Ética disse que Filipe Sampaio teve acesso a informações privilegiadas, e que haveria prejuízos para o interesse público e para a ANA, caso ele assumisse, de imediato, o cargo de diretor de relações institucionais na Companhia de Saneamento das Américas.

“ANA tem, dentre outras, competências regulatórias que afetam diretamente a atividade empresarial desenvolvida pela Companhia de Saneamento das Américas especialmente a emissão de outorgas de direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, fiscalização dos usos, além da instituição de normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico, podendo, inclusive, exercer ação mediadora ou arbitral nos conflitos que envolvam titulares, agências reguladoras ou prestadores de serviços públicos de saneamento básico”.

Em formulário encaminhado à Comissão de Ética, Filipe Sampaio informou ter assinado mais de 900 outorgas de uso de recursos hídricos entre maio de 2023 e abril de 2024, em decorrência da função do cargo.

“Nota-se, assim, que há clara correlação entre as atribuições do cargo de Diretor da ANA e o segmento de atuação da empresa proponente”, observou o conselheiro relator da CEP Edvaldo Nilo de Almeida.

“Entende-se que a assunção de cargo de Diretor de Relações Institucionais pode gerar privilégios indevidos à empresa proponente, além de haver riscos de utilização, pelo consulente, no curso das atividades pretendidas, de informações privilegiadas a que teve acesso em razão do cargo público, ainda que não intencionalmente”, destacou o relator da CEP.

 

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Diretor da ANA foi eleito relações institucionais de conselho internacional

Filipe de Mello Sampaio Cunha articulou, nas últimas semanas, um cargo em uma entidade intergovernamental que abrirá portas para a nova função que ele vai desempenhar na Companhia de Saneamento das Américas S.A. a partir do dia 15 de julho.

Na primeira metade deste mês, o ex-diretor da ANA foi escolhido diretor de relações institucionais do Conselho Latino Americano de Águas (CLAA), durante reunião colegiada da entidade, em Buenos Aires, na Argentina, que ocorreu entre os dias 13 e 14 de março. Ele aparece na foto publicada pelo presidente Honorário do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga.

 

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Mas Filipe Sampaio terá que esperar cerca de três meses para assumir o posto, até terminar o período de quarentena. Ele disse que a função na CLAA não é remunerada.

Em conversa com a coluna, o ex-diretor da ANA explicou que viajou para Buenos Aires por conta própria e que não foi bancado por nenhuma empresa. “Eu fui convidado. Eu não fui nem pela ANA, e nem pela empresa. Eu fui por mim. Eu recebi este convite, e tinha essa intenção de me designarem, de votarem para eu ser diretor de relações institucionais do Conselho. Mas eu não fui por essa empresa [Companhia de Saneamento das Américas S.A], até porque estou em quarentena”, declarou.

Nesse sentido, disse que não precisou acionar a CEP e que não viu conflito de interesses na viagem para participar da reunião da CLAA. “Eu viajar ou não para o evento [da CLAA], eu não preciso consultar a CEP. Até porque, eu não estou recebendo para isso e não tem conflito de interesse”, declarou. “Eu fui eleito, a contar do dia 15 de julho, para cumprir essa posição. Durante os meses eu não posso assumir essa posição”, endossou.

Atualmente, o Brasil preside entidade para um mandato de três anos. Nesse sentido, Filipe Sampaio fica no cargo da CLAA até 2027.

O Conselho Latino Americano de Águas é composto por 23 instituições, entre órgãos governamentais (incluindo Brasil, Chile, México e Peru); comitês de bacias, instituições internacionais (Unesco, BID); empresas de água e associações técnicas e da sociedade civil do continente latino-americano.

Pelo lado brasileiro, os destaques são para a própria ANA, que tem assento no CLAA, representando o governo brasileiro. Já as gigantes Itaipu, Sabesp e Vale compõe o colegiado com assentos destinados à iniciativa privada. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) também integra a junta de conselheiros.

O CLAA não tem poder de mando, ainda assim, a entidade sugere proposições e execução de projetos dentro dos países que fazem parte.

O organismo internacional, que atualmente estuda uma forma de financiamento para custear suas despesas, foi instituído em 2023 durante um evento no Brasil, mas só ganhou corpo em 2024. Filipe Sampaio, enquanto diretor da ANA, chegou a participar de eventos e reuniões da CLAA.

 

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Filipe Sampaio é irmão de ex-ministro de Bolsonaro

A indicação e aprovação de Filipe Sampaio para diretoria da Ana, em 2022, foi cercada de turbulências. Ele é irmão de Marcelo Sampaio, à época ministro de Infraestrutura do governo de Jair Bolsonaro.

Marcelo Sampaio toma posse como ministro da Infraestrutura, em março de 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL)
Marcelo Sampaio toma posse como ministro da Infraestrutura, em março de 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL)

Filipe foi alvo de questionamentos da Associação dos Servidores da Agência Nacional de Águas (Aságuas). A entidade chegou a entrar com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a aprovação do nome dele para agência reguladora. Aságuas alegou que Sampaio não reunia os requisitos mínimos determinados em lei, especificamente no que concerne à experiência profissional.

Servidor público da carreira do Ministério Público do Trabalho (MPT), Filipe Sampaio é advogado e professor dos cursos de Análise e Melhoria de Processos e Gestão de Processos com Foco em Invocação, pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap).

“Ao analisar o currículo de Filipe Cunha é possível constatar que, não fosse por um curso de pós-graduação a distância realizado junto à Faculdade Unyleya, cujo término ocorreu em 2021, não haveria qualquer menção ao campo de atuação da ANA, seja porque sua graduação não é compatível com a agência – vez que é um cientista político –, seja por não possuir sequer experiência profissional em área correlata, quiçá na área da agência”, assegurou a Aságuas à época na petição enviada ao STF.

 

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