Políticas públicas de enfrentamento aos ataques às escolas no Brasil

O relatório final do Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas, instituído pela Portaria MEC nº 1.089, de 12.6.2023 – cujo objetivo é colaborar com a compreensão do fenômeno dos ataques às escolas no Brasil e propor caminhos para a ação governamental e para a formulação de políticas públicas – reúne valiosas contribuições para a formulação e execução de política públicas de enfrentamento aos ataques às escolas no Brasil, problema presente em nossa sociedade há algum tempo e que, no ano passado, teve novos capítulos dramáticos e trágicos.

Esse valioso documento partiu de importantes premissas de dados, dentre as quais destacam-se: os ataques de violência extrema contra as escolas são um fenômeno contemporâneo e refletem a expressão mais trágica das violências contra as escolas; o extremismo é o elemento central dos ataques às escolas; esses ataques são frequentemente praticados por alunos e ex-alunos, quase sempre como uma reação a ressentimentos, fracassos e violências experenciadas na vida e na comunidade escolar; o fenômeno é multicausal, com diversos fatores associados produzindo a ocorrência de um ataque, dentre eles o bullying e questões de saúde mental dos perpetradores, que, porém, não explicam sozinhos o fenômeno; os ataques às escolas são normalmente crimes por imitação, que são delitos que se baseiam ou são inspirados em um crime anterior, o que favorece e explica o “efeito de onda”, estabelecido no Brasil desde 2017 e exacerbado nos últimos meses; entre 2002 e outubro de 2023, o Brasil teve 36 ataques a escolas, vitimando 37 comunidades escolares –  a partir de 2017, houve um aumento significativo de ataques a escolas no Brasil (com exceção de 2020 devido à pandemia) – que resultaram em 164 vítimas, sendo 49 casos fatais e 115 pessoas feridas; nos ataques, 16 utilizaram armas de fogo como armamento principal, 16 fizeram uso de armas brancas e quatro outros tipos; das 37 escolas vitimadas, 30 são públicas (14 municipais e 16 estaduais) e sete são escolas privadas; os agressores, em 100% dos casos do sexo masculino, foram motivados por discursos de ódio e/ou comunidades on line de violência extrema; a cooptação desses adolescentes ocorre, principalmente, em interações virtuais, cujas estratégias incluem humor, estética e linguagem violentas, especialmente misóginas, machistas e racistas, em plataformas de internet utilizadas pelos grupos extremistas com fins de organizar comunidades de ódio e mobilizar ataques, resultando em impunidade pelo anonimato; ferramentas de controle parental e postura crítica para a não adesão a tal tipo de chamamento, apesar de eficazes no enfrentamento ao problema, têm baixa incidência devido aos insuficientes letramento informacional e educação crítica midiática da população em geral.

Assim, o relatório aponta treze ações emergenciais que devem ser promovidas pelo Estado brasileiro para prevenir os ataques às escolas: 1 – Desmembrar e enfrentar a formação e a atuação de subcomunidades de ódio e extremismo, inclusive com ações de apoio aos jovens que são cooptados por esses grupos; 2 – promover a cultura de paz; implementar um controle rigoroso sobre a venda, o porte e o uso de armas de fogo e munições; e desenvolver ações para monitorar clubes de tiros e similares, inclusive proibindo o acesso  de crianças e adolescentes a armas e a tais espaços; 3 -. responsabilizar as plataformas digitais sobre a circulação de conteúdo extremista e ilegal; 4 – responsabilizar as pessoas que compartilham vídeos de ataques e informações sobre os autores; 5 – atualizar as leis sobre crimes de ódio (Lei nº 7.716/1989) e bullying (13.185/2015); 6 – regulamentar e implementar o Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas – SNAVE (Lei 14.643/2023) e a Lei 14.644/2023, sobre a instituição de Conselhos Escolares e de Fóruns de Conselhos Escolares; 7 – melhorar a convivência e o ambiente de acolhimento nas instituições educacionais brasileiras, inclusive garantindo boa infraestrutura física e um espaço de interrelações dialógicas e inclusivas, com ênfase na gestão democrática, na promoção da convivência democrática e cidadã, e na resolução pacífica de conflitos; 8 – garantir que as escolas possam funcionar a partir das determinações constitucionais e legais, com  profissionais da educação valorizados, com adequadas formações inicial e continuada (inclusive sobre o tema em questão), e boas condições de trabalho; 9 – promover políticas de saúde mental nas escolas, aumentando os investimentos na expansão e no fortalecimento da rede de atenção psicossocial, promovendo a saúde mental dos estudantes e dos profissionais da educação; 10 – expandir espaços comunitários destinados ao lazer, à socialização, aos esportes e à cultura; 11 – elaborar diretrizes, orientações e protocolos adequados à realidade brasileira para atuação após os ataques; 12 – acordar com os veículos de comunicação e plataformas digitais protocolos sobre a cobertura dos casos de violências nas escolas e contra as escolas, evitando o estímulo a novos ataques, por meio do efeito contágio ou efeito de onda; e 13 – ampliar e aperfeiçoar o setor de inteligência sobre os crimes de ódio, além de estabelecer ações federativas articuladas sobre o tema dos ataques às escolas.

Em considerações finais, o denso relatório aponta que “[…] a violência nas escolas no Brasil é um problema complexo que requer uma abordagem abrangente e coordenada por parte das autoridades educacionais, da sociedade civil e dos órgãos reguladores. A construção de políticas públicas para enfrentar o problema deve incluir toda a comunidade escolar, em uma perspectiva de gestão democrática. Somente por meio de esforços conjuntos podemos criar um ambiente escolar seguro e inclusivo que promova o desenvolvimento saudável dos estudantes e contribua para a construção de uma sociedade justa e pacífica”.

Que a sociedade esteja atenta para essas conclusões e consiga impulsionar a adoção das políticas públicas ali sugeridas, para enfrentar esse problema tão emergencial quanto profundo que envolve a vida, a integridade física e a saúde de toda a comunidade escolar nacional.

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