O “common sense” de Alexandria Ocasio-Cortez (por Marcos Magalhães)

Às vésperas do “Liberation Day” deste 2 de abril, quando Donald Trump anunciará a um mundo já estupefato com sua presidência amplas elevações de tarifas contra produtos importados, surge uma voz no outro extremo do espectro político em defesa do que os americanos chamam de “common sense”.

Até aqui, a atual administração passa longe desse conceito. As relações com antigos aliados, como o Canadá e a Europa, nunca estiveram tão ruins desde a Segunda Guerra Mundial. Milhares de imigrantes são deportados, muitos deles sem registro criminal.

As universidades sofrem enorme pressão do governo central, sob o argumento de combate ao antissemitismo. Empresas são convencidas a deixar de lado programas de inclusão de minorias.

A nova administração anuncia planos de retomar o controle do Canal do Panamá e de incorporar ao país, se necessário com força militar, a Groenlândia, administrada pela até então aliada Dinamarca.

A cereja do bolo chegou no final de semana, quando Trump disse que “fala sério” ao prometer buscar um terceiro mandato, que é proibido pela Constituição dos Estados Unidos.

E o que seria “common sense”? A melhor tradução seria bom senso. Ou sensatez. Ou ainda capacidade de fazer um bom juízo.

Em um país tão polarizado como os Estados Unidos, parece uma expressão fora de moda. Trump passa longe do bom senso. Na verdade, nem os mais antigos aliados americanos pelo mundo têm ideia do que vem pela frente em sua administração.

Por sua vez, os conservadores em geral e os admiradores de Trump em especial acusam a oposição democrata de radical. Mais ainda, situa muitos oposicionistas naquilo que, para a direita americana, seria a extrema-esquerda.

Este seria o caso da deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, 35 anos. Ela nasceu e cresceu no Bronx, bairro de classe trabalhadora em Nova York, estudou Relações Internacionais e Economia na Universidade de Boston e, após formar-se, precisou trabalhar como garçonete para ajudar sua mãe porto-riquenha.

Pois AOC, como ela é chamada, vem sendo apontada como ponta esquerda do Partido Democrata, juntamente com o veterano Bernie Sanders, que não se envergonha de se dizer em sintonia com os socialistas europeus.

Os dois têm viajado juntos nos últimos dias pelos Estados Unidos, a estados como Arizona e Colorado. Eles falaram para mais de 30 mil pessoas em Denver, em 21 de março. A maior manifestação desde a campanha à presidência de Barack Obama, em 2008.

“Lutando contra a oligarquia” é o nome do pequeno tour da dupla. Mas os temas principais passam longe da guerra cultural movida por Trump. Para a jovem deputada, o caminho é o de falar sobre as reais necessidades dos trabalhadores. E aqui entra o conceito americano do “common sense”.

“Muita gente quer me manchar como radical”, disse Alexandria à multidão de Denver. “Mas eu acredito no bom senso. Eu acredito que, na nação mais rica da história do mundo, as pessoas não deveriam ir à falência quando ficam doentes”.

O salário-mínimo, prosseguiu, deveria cobrir o custo de vida. “Bom senso”. E o governo deveria trabalhar para garantir um teto acessível às famílias trabalhadoras, acrescentou.

Em artigo publicado no jornal The New York Times, no domingo, a colunista Michelle Cottle pergunta se os Democratas poderiam voltar a ser o partido da classe trabalhadora, depois da vitória de Donald Trump em novembro do ano passado.

A plataforma econômica poderia unir progressistas e moderados? E mais: um democrata poderia vencer as eleições em algum “swing state”, desses que flutuam entre os dois maiores partidos, com base nessa plataforma de mudança?

“Ocasio-Cortez acredita que sim”, escreveu Cottle. “Esteja ela certa ou não, o importante para os democratas nesse período inicial do período selvagem de Trump é que ela está colocando grandes ideias e argumentos sobre a mesa. Não há suficientes ideias e argumentos no partido neste momento”.

Aqui há dois pontos importantes. A iniciativa da oposição, que até aqui parecia nocauteada, está com AOC. E a jovem deputada, até então apontada como baluarte do radicalismo progressista, foge de temas que dividem o país e busca no dia a dia da população os seus argumentos. Parece bom senso.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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