A hora da estratégia (por Marcos Magalhães)

Até aqui os brasileiros têm se distraído com números sobre a popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva e os frequentadores das manifestações pela anistia promovidas por Jair Bolsonaro. Como um grande zoom sobre a rivalidade doméstica. Ao abrir a lente para o cenário global, porém, existem outros números – bem mais assustadores.

O pânico tomou conta dos mercados após o anúncio, pelo presidente americano Donald Trump, de um amplo aumento de tarifas sobre produtos importados de quase todo o mundo. E pouca gente se arrisca a prever até quando irá a instabilidade.

Os piores tombos ocorreram na Ásia. Na segunda-feira, a Bolsa de Hong Kong despencou 13,22%, no pior resultado desde 1997. A Bolsa de Tóquio caiu 7,8%, e as negociações chegaram a ser interrompidas. A Bolsa de Xangai teve queda de 7,3%.

Quando os mercados na Europa abriram, o fenômeno se repetiu. A Bolsa de Paris caiu 4,78%, no pior resultado em três anos. Londres teve queda de 4,38%. Nos Estados Unidos, a volatilidade tomou conta do mercado, sob o temor de uma recessão global.

Esse temor começou a espalhar-se entre investidores quando Trump anunciou que poderá vir a impor uma nova tarifa de 50% sobre produtos da China, caso o governo de Pequim não volte atrás na decisão de impor sobre produtos americanos a mesma tarifa de 34% que o presidente dos Estados Unidos decidiu impor a produtos chineses.

São escassas as chances de tudo isso acabar bem. Entre os defensores de Trump, repete-se que mais de 50 países já pediram uma negociação de tarifas. Acredita-se, também, que, após um período de instabilidade, o mercado global vai assimilar a mudança.

Será? As primeiras reações indicam que podemos estar apenas no início de uma grande guerra comercial, de consequências ainda pouco nítidas sobre a geopolítica global.

A primeira vítima parece ter sido a unidade do mundo ocidental. O Canadá, que ficou de fora do tarifaço de Trump, abriu consultas junto à Organização Mundial do Comércio sobre a tarifa de 25% imposta pelos Estados Unidos sobre carros canadenses.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sugeriu aos Estados Unidos isenção total e recíproca de tarifas sobre bens industriais. Mas alertou que a União Europeia está pronta a “adotar contramedidas e a defender seus interesses”.

Entre pequenos países asiáticos com grande dependência do comércio exterior, a preocupação é crescente. Em pronunciamento transmitido pelas redes sociais, o primeiro-ministro de Cingapura, Lawrence Wong, alertou para os riscos da crise.

“O recente Dia da Libertação anunciado pelos Estados Unidos não deixa margem a dúvidas”, disse Wong. “Marca uma mudança sísmica na ordem global. A era da globalização baseada em regras e livre comércio acabou”.

E o que vem a seguir? Ainda que haja alguma renegociação de tarifas caso a caso, como quer Trump, muitos países – ainda que mantenham interesse pelo mercado americano – começarão a buscar alternativas menos erráticas para suas trocas comerciais.

O Brasil, por exemplo, tende a buscar a rápida aprovação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Da mesma forma, quer prosseguir as negociações com parceiros como Canadá e Reino Unido.

A Ásia também cresce no cenário. O Mercosul já firmou acordo de livre comércio com Cingapura, aprovado pelo Conselho do Mercado Comum em 2023. Em visita a Tóquio, o presidente Lula sugeriu o início de negociações com o Japão.

O governo brasileiro, tão acostumado a decisões de curto prazo, vai precisar adotar uma visão mais estratégica sobre a nova ordem global em gestação.

De um lado, terá de buscar maior diversificação no comércio. De outro, maior autonomia econômica, militar e tecnológica.

Se nos dois primeiros meses de mandato Donald Trump já foi capaz de levar pânico aos mercados globais, ele poderia também impor vários tipos de sanções ou represálias a países que, de alguma forma, prejudiquem – a seu ver – os interesses dos Estados Unidos.

O país que liderou a globalização baseada em regras parece agora se voltar contra ela. O cenário torna-se incerto. Por isso, países emergentes como o Brasil precisam, mais do que nunca, ampliar as suas opções e fortalecer sua soberania.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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