A guerra comercial de Trump é um plano brilhante apenas para iletrados

Quem ouve Donald Trump dizer que os Estados Unidos são vítimas do mundo, mais especificamente da globalização da qual os americanos foram os grandes promotores, deveria rir. Eu rio. Como assim?

Quando o presidente americano tomou posse, escrevi que o declínio dos Estados Unidos era uma fantasia dele. Não é opinião, é fato, e volto a elencar aqui:

“Os Estados Unidos são responsáveis, hoje, por 26% do Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. Recuperaram a mesma porcentagem do início dos anos 1990, quando a União Soviética chegou ao fim, a China estava longe de ser uma super potência econômica e os americanos reinavam sem nenhuma sombra adversária.

Há 15 anos, a economia dos Estados Unidos equivalia à economia da União Europeia. Hoje, tem o dobro do tamanho. Se você toma o Sul Global como referência, excluindo a China, ela é 30% maior do que a de todos os países emergentes da Ásia, América do Sul e África juntos.

A dívida total dos Estados Unidos é um problema, não resta dúvida. A soma da dívida pública com a privada atinge 255% do PIB. Mas, na China, ela é de 300%, e os chineses não têm o dólar para financiá-la. O dólar, que representa 60% das reservas monetárias de todos os países do mundo, como era há 30 anos, 90% das transações comerciais e 70% das operações financeiras.

Há quase 50 anos, os Estados Unidos eram os maiores importadores de energia do planeta. Hoje, são autossuficientes. Produzem mais petróleo e gás do que a Arábia Saudita e a Rússia.

Na tecnologia, a capacidade americana não tem paralelo. Metade do lucro mundial do setor é gerada por empresas tecnológicas dos Estados Unidos. As chinesas respondem por 6%.”

Muito bem. Donald Trump diz que a China, principalmente, rouba empregos dos americanos. Mas como explicar que a taxa de desemprego nos Estados Unidos está na casa de meros 4%, o que é pleno emprego em economias desenvolvidas?

O que os chineses tiraram dos americanos foram empregos na indústria, porque é muito mais lucrativo para empresas — americanas, enfatize-se — produzir roupas, brinquedos, telefones, computadores e carros em um país onde os operários ganham, em média, menos de mil dólares por mês, do que nos Estados Unidos, onde essa média é cinco vezes maior.

Transferir custos industriais para a China e outros países permitiu que a massa de americanos pagasse barato por uma série de itens que fazem parte do seu cotidiano. Setenta e três por cento dos smartphones, 78% dos laptops, 87% dos consoles de videogame e 77% dos brinquedos vendidos nos Estados Unidos são provenientes de fábricas instaladas em território chinês. Uma tarifa de 145% sobre esses produtos significa preço bem mais caro nas lojas, aumento de inflação e queda de consumo, cujos corolários são desemprego e recessão.

Digamos que o tamanho do déficit da balança comercial americana seja mesmo um problema, esquecendo que boa parte do que os Estados Unidos importam são matéria-prima e componentes para fabricar produtos que os americanos exportam.

Esquecendo também que as importações americanas financiam países que compram ações de empresas americanas e títulos da dívida pública dos Estados Unidos.

Esquecendo que, no plano geopolítico, integrar os chineses ao sistema internacional de trocas foi um projeto de paz e desenvolvimento bem-sucedido, a despeito de todas as dificuldades advindas de a China ser bicho ideológico estranho e colossal.

Esquecendo tudo isso (e não dá para esquecer no duro), travar uma guerra comercial com o mundo, e guerra baseada em números mentirosos e em uma conta desvairada para fixar tarifas ridiculamente altas, é a solução para o problema do déficit comercial americano?

Era mesmo necessário levar a que os mercados dos Estados Unidos, com gente em pânico por causa do golpe infligido por Donald Trump nas cadeias produtivas, perdessem US$ 5,4 trilhões em apenas dois dias?

Fazia parte de um plano fazer com que os investidores perdessem a confiança nos Estados Unidos da América e deixassem de ver um porto seguro no dólar e nos títulos da dívida americana?

Depois de criar a tempestade econômica perfeita, que está longe de acabar, Donald Trump tenta dar a impressão de que sim. De que a sua insanidade destruidora é, na verdade, uma construção brilhante. De que ele não é um amador voluntarioso. Só gente iletrada pode acreditar de verdade nessa lorota, assim como apenas gente iletrada pode achar realmente que os Estados Unidos são vítimas da globalização da qual foram os grandes promotores.

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