*O artigo foi escrito pelo pós-doutor em Ciências Planetárias Patrick M. Shober, da Nasa, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.
Muito do que os cientistas sabem sobre o início do Sistema Solar vem dos meteoritos – rochas antigas que viajam pelo espaço e sobrevivem ao mergulho incinerante na atmosfera da Terra. Entre os meteoritos, os de um tipo chamado condritos carbonáceos destacam-se como os mais primitivos e oferecem um vislumbre único da infância do Sistema Solar.
Os condritos carbonáceos são ricos em água, carbono e compostos orgânicos. Eles são “hidratados”, o que significa que contêm água ligada aos minerais da rocha. Os componentes da água estão presos em estruturas cristalinas. Muitos pesquisadores acreditam que essas rochas antigas desempenharam um papel crucial no fornecimento de água para a Terra primitiva.
Antes de atingir a Terra, as rochas que viajam pelo espaço são geralmente chamadas de asteroides, meteoroides ou cometas, dependendo de seu tamanho e composição. Se um pedaço de um desses objetos chega até a Terra, ele se torna um “meteorito”.
A partir da observação de asteroides com telescópios, os cientistas sabem que a maioria dos asteroides tem composições carbonáceas e ricas em água. Os modelos científicos preveem que a maioria dos meteoritos – mais da metade – também deve ser carbonácea. Mas menos de 4% de todos os meteoritos encontrados na Terra são carbonáceos. Então, por que existe essa discrepância?
Em um estudo publicado na revista Nature Astronomy em 14 de abril de 2025, meus colegas cientistas planetários e eu tentamos responder a uma pergunta antiga: onde estão todos os condritos carbonáceos?
Missões de busca de amostras
O desejo dos cientistas de estudar essas rochas antigas impulsionou as recentes missões espaciais de busca de amostras. As sondas OSIRIS-REx, da Nasa, e Hayabusa2, da Agência Espacial do Japão (JAXA), mudaram o que os pesquisadores sabem sobre asteroides primitivos e ricos em carbono.
Os meteoritos encontrados no solo são expostos à chuva, neve e plantas, o que pode alterá-los significativamente e dificultar a análise. Assim, a missão OSIRIS-REx se aventurou até o asteroide Bennu para recuperar uma amostra inalterada. A coleta dessa amostra permitiu que os cientistas examinassem a composição do asteroide em detalhes.
Da mesma forma, a jornada da Hayabusa2 até o asteroide Ryugu forneceu amostras intocadas de outro asteroide igualmente rico em água.
Juntas, essas missões permitiram que cientistas planetários como eu estudassem os materiais carbonáceos frágeis e imaculados de asteroides. Esses asteroides são uma janela direta para os blocos de construção do nosso Sistema Solar e para as origens da vida.
O quebra-cabeça dos condritos carbonáceos
Durante muito tempo, os cientistas presumiram que a atmosfera da Terra “filtrava” os detritos carbonáceos dos meteoritos.
Quando um objeto atinge a atmosfera da Terra, ele precisa sobreviver a altas pressões e temperaturas. Os condritos carbonáceos tendem a ser mais frágeis e mais quebradiços do que outros meteoritos, portanto, esses objetos simplesmente não têm tanta chance de sobreviver.
Os meteoritos geralmente iniciam sua jornada até a Terra quando dois asteroides colidem. Essas colisões criam um monte de fragmentos de rocha de centímetros a metros de tamanho. Essas migalhas cósmicas atravessam o Sistema Solar e podem, eventualmente, cair na Terra. Quando são menores que um metro, os cientistas os chamam de meteoroides.
Os meteoroides são pequenos demais para serem vistos pelos pesquisadores com um telescópio, a menos que estejam prestes a atingir a Terra e os astrônomos tenham sorte.
Mas há outra maneira pela qual os cientistas podem estudar essa população de rochas espaciais e, por sua vez, entender por que os meteoritos têm composições tão diferentes.
Redes de observação de meteoros e bolas de fogo
Nossa equipe de pesquisa usou a atmosfera da Terra como nosso detector.
A maioria dos meteoroides que chegam à Terra são partículas minúsculas, do tamanho de areia, mas, ocasionalmente, corpos de até dois metros de diâmetro nos atingem. Os cientistas estimam que cerca de 5 mil toneladas métricas de micrometeoritos chegam na Terra anualmente. E, a cada ano, entre 4 mil e 10 mil meteoritos grandes – do tamanho de bolas de golfe ou maiores – atingem a Terra. São mais de 20 por dia.
Atualmente, as câmeras digitais tornaram as observações do céu noturno 24 horas por dia práticas e acessíveis. Sensores de baixo custo e alta sensibilidade e softwares de detecção automatizada permitem que os pesquisadores monitorem grandes áreas do céu noturno em busca de flashes brilhantes, que sinalizam um meteoroide atingindo a atmosfera.
As equipes de pesquisa podem examinar essas observações em tempo real usando técnicas de análise automatizadas – ou um estudante de doutorado muito dedicado – para encontrar informações valiosas.
Nossa equipe gerencia dois sistemas globais: o FRIPON, uma rede liderada pela França com estações em 15 países; e o Global Fireball Observatory, uma colaboração iniciada pela equipe por trás da Desert Fireball Network na Austrália. Junto a outros conjuntos de dados de acesso aberto, meus colegas e eu usamos as trajetórias de quase 8 mil impactos observados por 19 redes de observação espalhadas por 39 países.
Ao comparar todos os impactos de meteoroides registrados na atmosfera da Terra com aqueles que atingem a superfície como meteoritos, podemos identificar quais asteroides produzem fragmentos fortes o suficiente para sobreviver à jornada. Ou, ao contrário, também podemos identificar quais asteroides produzem materiais frágeis que não aparecem com tanta frequência na Terra como meteoritos.
O Sol está “assando” as rochas
Surpreendentemente, descobrimos que muitos pedaços de asteroides nem chegam à Terra. Algo começa a remover o material frágil enquanto o fragmento ainda está no espaço. O material carbonáceo dos asteroides e meteoroides, que não é muito durável, provavelmente é decomposto pelo estresse térmico quando sua órbita o leva para perto do Sol.
À medida que os condritos carbonáceos orbitam perto e depois longe do Sol, as variações de temperatura formam rachaduras em seu material. Esse processo efetivamente fragmenta e remove pedras fracas e hidratadas da população de objetos próximos à Terra. E tudo o que resta após essa rachadura térmica ainda terá de sobreviver à passagem pela atmosfera da Terra.
Apenas 30% a 50% dos objetos restantes sobrevivem à jornada atmosférica e se tornam meteoritos. Os fragmentos de detritos cujas órbitas os aproximam do Sol tendem a ser significativamente mais duráveis, o que os torna muito mais propensos a sobreviver à difícil viagem pela atmosfera da Terra. Chamamos isso de viés de sobrevivência.
Durante décadas, os cientistas presumiram que a atmosfera da Terra, por si só, explicava a escassez de meteoritos carbonáceos, mas nosso trabalho indica que grande parte da remoção dos compostos carbonáceos ocorre antes, ainda no espaço.
No futuro, novos avanços científicos poderão ajudar a confirmar essas descobertas e identificar melhor as composições dos meteoritos. Os cientistas precisam melhorar o uso de telescópios para detectar objetos logo antes de atingirem a Terra. Uma modelagem mais detalhada de como esses objetos se fragmentam na atmosfera também pode ajudar os pesquisadores a estudá-los.
Por fim, estudos futuros podem criar métodos melhores para identificar do que são feitas essas bolas de fogo usando as cores dos meteoros.
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