São Paulo — O coronel PM da reserva José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública, definiu, em entrevista ao Metrópoles, como “muito diferente dos demais” o ritual de policiais do 9° Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) divulgado em vídeo no qual queimam cruzes e fazem gesto com tom que remete a rituais de grupos supremacistas, como práticas da Ku Klux Klan, nos Estados Unidos
A afirmação do especialista se refere a postagem no perfil do 9º Baep no Instagram que mostrava um material produzido — com o uso de imagens aéreas e trilha sonora — em ambiente noturno, publicada nessa terça-feira (15/4) e, posteriormente apagada. A gravação tem pelo menos 14 PMs diante de uma cruz pegando fogo e um caminho marcado por fogo.
O material foi apagado minutos depois da publicação, mas a reportagem teve acesso à publicação. Veja:
Para o coronel da reserva da PM paulista José Vicente da Silva, o material expôs o que ele definiu como tentativa de uma “diferenciação sem sentido”:
“O que não tem sentido é que essas forças ditas especiais estão querendo se diferenciar demais, como se fossem melhores, querendo mostrar um esforço diferente e, para isso, estão vestindo toda uma lógica que costumo chamar de ‘doutrina de rota’. E infelizmente esses policiais acabam extrapolando, eles não fazem tanta parte assim do processo de prevenção das polícias e acabam querendo desprestigiar e reduzir a importância que tem o policiamento preventivo dos batalhões territoriais, como nós chamamos”, declarou.
Segundo o militar, os batalhões especiais, caso dos Baeps, “não são tão bons assim para o processo de prevenção” e os seus agentes não possuem “o mesmo conhecimento e interação com a população”, quando comparados com os PMs que atuam no dia a dia.
“Esses supostos heróis estão querendo se diferenciar demais. Eu não vejo sentido, isso deveria ser coibido, proibido, melhor dizendo, pelo comando da Polícia Militar e parar com essa diferenciação absurda. Eu não vejo sentido, realmente… O soldado da PM faz um curso de 2.600 horas na formação. Daí, o Baep dá um cursinho de 30 horas e acha que vai formar um ‘PM plus’”, completou, em tom crítico.
Por outro lado, José Vicente da Silva entende que a posição do braço dos agentes, apontada como uma das polêmicas do vídeo por lembrar uma saudação nazista, é normal: “Colocaram o braço à frente, faz o juramento normal. Não é saudação [nazista]”, explicou.
“Coisa de Ku Klux Klan”
Já o especialista em segurança pública, Rafael Alcadipani, também professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirmou ao Metrópoles que não considerou os movimentos dos braços dos policiais, como sinais nazistas, embora tenha compreensão que o movimento “tem essa conotação”. Para ele, o gesto pode representar “um juramento de um rito de passagem”.
No entanto, Alcadipani considera o vídeo completamente inadmissível e que a gravação lembra prática da Ku klux Klan:
“Infelizmente, quando a gente vê uma coisa dessa a gente lembra coisa de Ku klux klan. Isso é completamente inadmissível. Uma força de segurança não poderia estar usando símbolos da organização, viatura, coisas do estado para fazer um vídeo que parece coisa de Ku klux klan”, opinou o especialista.
O que é Ku Klux Klan
A Ku Klux Klan (KKK) surgiu nos Estados Unidos, na segunda metade do século XIX, entre os anos de 1865 e 1866, na cidade de Tennessee, no sul do país.
Entre outras coisas, o movimento defendia ideias supremacistas brancos, promovendo atentados contra negros, recém libertados pela 13ª Emenda Constitucional dos Estados Unidos. Brancos que de alguma forma defendiam os direitos dos negros também eram alvos dos ataques.
Ao longo dos anos de existência do grupo terrorista, os ataques continuaram sendo focados nos negros e incluíram os judeus a partir do século XX.
No ponto mais alto, o grupo terrorista contou com quatro milhões de membros na chamada segunda fase. Foi nessa época que a cruz em chamas se tornou um símbolo da Klan.
No vídeo divulgado e apagado pelo Baep, um dos elementos é justamente uma cruz pegando fogo.
Investigação de ato de “intolerância”
A Polícia Militar (PM) afirmou na noite desta terça-feira (15/4) que repudia “toda e qualquer manifestação de intolerância” e que instaurou um procedimento para apurar as circunstâncias relativas ao vídeo.
Veja nota na íntegra:
“A Polícia Militar é uma instituição legalista e repudia toda e qualquer manifestação de intolerância. Assim que tomou conhecimento das imagens, a Corporação instaurou um procedimento para investigar as circunstâncias relativas ao caso. A Corporação não compactua com desvios de conduta e reforça que qualquer manifestação que contrarie seus valores e princípios será rigorosamente apurada e os envolvidos responsabilizados”