Lula chorou, hoje, na ilha de Gorée, Senegal, na costa de Dakar. Pediu desculpas aos negros pelas chagas da escravidão que marcam para sempre as relações do Brasil com a África.
Isso aconteceu durante a visita à “Porta da Viagem sem Retorno”, o lugar onde os escravos ficavam confinados antes de ser embarcados para o Brasil e outros países.
As lágrimas presidenciais poderiam também ter sido derramadas por outro motivo. De alguma maneira, “Porta da Viagem sem Retorno” evoca aqueles que nos idos de 80 saíram dos comícios de Vila Euclides, em São Bernardo, e desfraldaram a bandeira da justiça social; criaram depois um partido político que prometia renovar a prática da política entre nós; e menos de 25 anos depois finalmente chegaram ao poder.
Lula foi eleito com o discurso da mudança. Pela primeira vez, a esperança derrotou o medo. Lavar do país as manchas deixadas por governos oligárquicos era uma das condições de ocupar e de permanecer no poder. Esse caminho não tinha retorno. Ou não deveria ter. Não é, porém, o que ocorre.
Com menos de três anos no poder, poucas coisas ainda distinguem o PT e o governo dos demais partidos e dos governos passados. E se Lula parece diferente dos presidentes civis que sucedeu é porque ainda se identifica com a maioria daqueles que o elegeram, consegue se fazer entender por eles, e é capaz de compartilhar com eles as mais sinceras e primárias emoções.
Mas Lula é inteligente o bastante para saber que a nau que pilota mudou de curso, que novos e estranhos passageiros estão sendo embarcados de porto em porto, e que ao cabo da viagem ela estará longe, muito longe de jogar âncora onde pretendia.
(Publicado aqui em 16 de abril de 2005)