Com 84 presos internados, DF adia fim da ala psiquiátrica em presídio

Em fevereiro de 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou resolução para que alas psiquiátricas de presídios fossem finalizadas. A decisão se baseava na implementação das políticas antimanicomiais. Assim, no DF, o espaço deveria acabar em 28 de agosto de 2024. A situação atual, no entanto, é outra e o local ainda abriga 84 presos internados.


Entenda

  • No Distrito Federal, o prazo inicial para o fechamento da Ala de Tratamento Psiquiátrico (ATP) era 28 de agosto de 2024. No entanto, o prazo foi prorrogado para maio de 2026. O lugar ainda abriga 84 presos internos.
  • Atualmente, as desinternações mais imediatas ocorrem quando há pessoas disponíveis para acolher o paciente. Mesmo com decisões de desinternação deferidas para 26 pessoas, elas aguardam a indicação de um local de acolhimento.
  • As pessoas que não possuem rede de apoio ativa não estão sendo desinternadas, considerando a ausência de vaga em residência terapêutica ou outros serviços similares. Houve alguns casos que foram acolhidos em unidades da Secretaria de Desenvolvimento Social do DF (Sedes-DF), mas não há previsão de outros encaminhamentos.

Tendo em vista a dificuldade de abrigar as pessoas em outro local, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) encaminhou ao CNJ um plano de ações com pedido de prorrogação do prazo previsto. A solicitação foi aceita no final do ano passado. Agora, a Ala de Tratamento Psiquiátrico (ATP), localizada na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF), deve parar de existir somente em maio de 2026.

Em fevereiro de 2024, quando o local parou de receber novos internos, havia ainda 142 pessoas internadas. Cerca de oito meses depois, apenas 39 presos foram enviados para outros locais que podem proporcionar tratamento apropriado, permitindo a reintegração da pessoa portadora de doença mental à sociedade de maneira segura e responsável.

O pedido de prorrogação foi fundamentado pelos esforços desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho Interinstitucional da Política Antimanicomial do Poder Judiciário no Distrito Federal. O documento contemplava uma proposta apresentada pela Secretaria de Saúde do DF (SES-DF).

Sem perspectivas

A Vara de Execuções Penais (VEP) informou que o plano de cada paciente é elaborado de forma individual e depende de informações específicas de cada caso concreto. Atualmente, a desinternação que a VEP consegue implementar de imediato são aquelas de pacientes que possuem pessoas disponíveis para acolhê-los.

No momento, 79 homens e 5 mulheres seguem internados na ATP. Desse total:

  • 4 cumprem medida de segurança de internação e estão aguardando audiência de desinternação;
  • 26 cumprem medida de internação e possuem decisão de desinternação deferida, mas aguardam a indicação de um local para o seu encaminhamento após a liberação;
  • 20 cumprem medida de internação e não possuem vínculo familiar ou rede de apoio;
  • 16 cumprem medida de internação, possuem rede de apoio, mas não usufruem de saídas terapêuticas;
  • 10 cumprem medida de internação e estão usufruindo de saídas terapêuticas regulares;
  • 3 cumprem medida de segurança de tratamento ambulatorial, mas estão internados cautelarmente;
  • 3 estão submetidos a internação provisória determinada em ação penal que ainda está em andamento e aguardam a consolidação da sua situação processual;
  • 2 estão cumprindo pena privativa de liberdade, foram internados cautelarmente na ATP e aguardam a consolidação da sua situação processual.

As pessoas que não possuem rede de apoio ativa não estão sendo desinternadas, considerando a ausência de vaga em residência terapêutica ou outros serviços similares. Houve alguns casos que foram acolhidos em unidades da Secretaria de Desenvolvimento Social do DF (Sedes-DF), mas não há previsão de outros encaminhamentos.

Conforme os dados obtidos pelo Metrópoles, já existem 26 pessoas que a VEP aceitou a desinternação, mas que aguardam a indicação de local para o seu acolhimento, uma vez que não possuem rede de apoio e não podem simplesmente ser colocadas para fora do presídio. Não há vagas para elas em espaços da Secretaria de Saúde do DF.

“A SES se comprometeu a apresentar uma solução para os casos que dependem de acolhimento institucional até o fim do prazo concedido pelo CNJ. Mas, hoje ainda não há nenhuma perspectiva concreta sobre a criação de novas vagas de residências terapêuticas no DF”, informou o TJDFT.

Residências terapêuticas no DF

Em julho de 2023, a SES-DF anunciou que a rede pública de saúde passaria a contar com residências terapêuticas para o acolhimento de até 100 pacientes com transtornos mentais graves, internados há pelo menos dois anos ininterruptos, sem suporte social ou laços familiares que permitam sua reinserção social.

A pasta indicou que os espaços iriam garantir aos pacientes o apoio de cuidadores e outros profissionais de saúde 24 horas por dia. O lugar funciona como uma pensão, com sala de estar, copa, cozinha, acomodações para cuidadores, área de serviço, pelo menos três banheiros.

As residências terapêuticas do DF serão voltadas a pacientes egressos do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), do Instituto de Saúde Mental (ISM), da unidade de psiquiatria do Hospital de Base e da Ala de Tratamento Psiquiátrico (ATP).

No edital, a SES-DF abre a possibilidade de contratar até 100 vagas, sendo 20 em residências terapêuticas localizadas em Taguatinga, 20 no Paranoá, 30 em Samambaia e 30 no Riacho Fundo II. As regiões administrativas foram selecionadas com base nas proximidades dos Caps de referência.

A promessa era de que os locais já estariam disponíveis em 2023. A primeira residência terapêutica do DF, no entanto, foi inaugurada em julho do ano passado. De acordo com o órgão, o lugar abriga 10 mulheres pacientes egressas de internação de longa permanência em hospitais psiquiátricos.

A reportagem questionou a Secretaria de Saúde do DF sobre o futuro dessas pessoas, incluindo os presos internados na ATP, e as ações tomadas pela pasta para garantir novos espaços de acolhimento. Não houve respostas até o fechamento desta matéria.

Política Antimanicomial

A Resolução Nº 487/2023, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), estabeleceu diretrizes para o tratamento de pessoas com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial que estejam sob qualquer tipo de custódia por parte da Justiça.

Na prática, a resolução parte da compreensão de que a pessoa em sofrimento mental tem direito fundamental ao tratamento de seu problema de saúde durante todo o ciclo penal, desde a audiência de custódia até a eventual execução de medida de segurança. Pela resolução, é obrigação do Estado garantir o melhor tratamento, compatível com o prestado aos demais cidadãos.

O procedimento penal que busca garantir o direito à saúde da pessoa acusada demanda novos procedimentos, fluxos, e encaminhamentos a serem seguidos pelo Judiciário, com o fortalecimento de diálogo, articulação permanente e integração com o sistema de saúde, com os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e também com a rede que atua neste campo.

“O que justifica a adoção dessas medidas é a necessidade de adequação do sistema processual e de execução penal à normativa nacional e internacional de respeito aos direitos fundamentais das pessoas em sofrimento mental ou com deficiência psicossocial”, afirmou o relator do Ato Normativo sobre o tema, conselheiro Mauro Martins.

Em seu voto, o relator destacou que a normativa partiu de variados diplomas jurídicos e normativos que marcam a evolução e o reconhecimento dos direitos das pessoas com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial, inclusive fora do campo penal.

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