O Ministério Público de São Paulo (MPSP) investiga vereadores de Campinas que enviaram emendas municipais para custear shows apontados como acima do preço de mercado.
A apuração foi aberta no início de 2024 e mirava todos os vereadores que enviaram emendas para shows contratados pela secretaria de Cultura na cidade.
Após uma primeira análise da área técnica, o Ministério Público afirma ter encontrado pagamentos acima do preço em ao menos seis casos, segundo um documento obtido pela coluna.
Os seis shows foram custeados com emendas indicadas por quatro vereadores. Segundo o MPSP, os possíveis sobrepreços nos contratos variam de 30% a 78%, se comparados com contratações dos mesmos shows por outras cidades.
O possível sobrepreço foi apontado pelo Centro de Apoio Operacional à Execução (Caex), órgão auxiliar do MPSP, que comparou o preço pago pela prefeitura de Campinas com os contratos para os mesmos artistas fechados com cidades diferentes, em um período similar.
Um dos casos citados pelo MP é a apresentação de Cleiton e Camargo que, segundo a análise técnica, custou aos cofres municipais 78% a mais do que a média de preço na época. O show, contratado por R$ 95 mil, foi bancado com emenda do ex-vereador Marcelo da Farmácia.
Segundo o Caex, os shows da dupla sertaneja custaram a municípios como Aparecida, Tremembé e Pindamonhangaba, todos em São Paulo, uma média de R$ 53,3 mil – valor inferior ao pago em Campinas.
A mesma avaliação foi feita para os outros shows em que foi encontrado o preço acima da média praticada em outras cidades paulistas.
Leia abaixo a relação dos shows acima do preço, segundo o MPSP
- Cleiton e Camargo (Conectshows Promoções e Eventos Ltda) – R$ 95 mil – possível sobrepreço de 78% – bancado com emenda de Marcelo da Farmácia (ex-vereador)
- Alex e Yvan (J.P.R Produçoes e Eventos LTDA) – R$ 70 mil- possível sobrepreço de 66% – bancado com emenda de Marcelo da Farmácia (ex-vereador)
- Althair e Alexandre (BR Brasil Eventos Shows) – R$ 95 mil – possível sobrepreço de 43% – bancado com emenda de Edson Ribeiro (União Brasil)
- Frank Aguiar (Luma P C Aguiar Lacerda Produção) – R$ 80 mil – possível sobrepreço de 60% – bancado com emenda de Arnaldo Salvetti (MDB)
- Marcos Paulo e Marcelo (Portal do Eventos) – R$ 85 mil – possível sobrepreço de 30% – bancado com emenda de Marcelo da Farmácia (ex-vereador)
- Negritude Junior (Roneia Forte Correa) – R$ 69 mil – possível sobrepreço de 65% – bancado com emenda de Nelson Hossri (PSD) e Marcelo da Farmácia
Emendas impositivas
O uso de emendas impositivas em Campinas começou em 2023. Cada vereador tem direito a uma cota anual. Metade do valor deve ser obrigatoriamente enviado para a saúde e o restante pode ser destinado a áreas escolhidas pelo vereador.
As contratações para shows, contudo, têm uma particularidade, inclusive as pagas com emendas: os artistas podem ser contratados por meio de inexigibilidade de licitação.
A possibilidade de contratação direta tem respaldo legal, e se dá pelo argumento de que não há comparativo para os serviços prestados por um artista.
O Ministério Público afirma na investigação que o valor de emendas enviadas para a secretaria de Cultura saltou ano a ano, chgeando a R$ 19,4 milhões em 2025. Em 2023, primeiro ano do dispositivo, o valor foi de R$ 8,6 milhões.
De acordo com a Secretaria de Cultura, a chegada das emendas impositivas resultou em uma ampliação nos tipos de eventos, “expandindo a diversidade de atrações e a atuação cultural nos bairros da cidade”.
Investigação do MPSP
A investigação do Ministério Público teve início depois do recebimento de uma denúncia anônima que tratava das emendas impositivas dos vereadores do município.
Um dos pontos levantados na denúncia é o incremento das verbas destinadas à pasta da Cultura por meio das emendas, especialmente voltadas ao custeio de shows, cuja contratação dos artistas pode ser feita sem licitação.
“Sem dúvida as funções do estado na promoção da cultura são legítimas e demandam recursos. Mas uma parcela de parlamentares demonstrou especial interesse em aplicar recursos especificamente na contratação de cachês por inexigibilidade. Não se trata de cachês de grupos locais, mas daqueles de alto valor, acima de R$100 mil reais”, dizia a denúncia.
Após a abertura da investigação, o Ministério Público encaminhou à Prefeitura de Campinas uma recomendação para suspender a execução de emendas impositivas destinadas à contratação sem licitação de eventos e shows com valor acima de R$ 100 mil.
Segundo o MP, o objetivo era “permitir o aprofundamento da apuração de eventuais irregularidades na destinação de tais emendas”.
A partir do alerta feito pela denúncia anônima, o MP passou a apurar as irregularidades na contratação dos shows.
O setor técnico do MP, após analisar as contratações, apontou para um suposto sobrepreço em algumas delas.
“Conforme discriminado na fundamentação, este setor localizou alguns pactos realizados pelo município de Campina com preços, em tese, incompatíveis com contratações realizadas à época por outros municípios”, concluiu o Caex.
Com base no relatório da área técnica, a promotora Cristiane Corrêa de Souza Hillal determinou a continuidade das investigações com relação às “empresas apontadas como praticantes de preços incompatíveis”.
O momento atual da apuração está dedicado à escuta da Secretaria de Cultura do município, bem como dos artistas mencionados.
A oitiva da Secretaria Municipal de Cultura foi realizada no último dia 9 de abril.

Defesa
Questionados pela coluna, o vereador Edison Ribeiro respondeu por meio de seu filho e porta-voz, André Ribeiro. Segundo André, a ideia de fazer um show de Althair e Alexandre veio por meio de uma enquete realizada com a população.
André afirma que, ao enviar a emenda, foi sugerido à prefeitura a contratação da dupla, mas que coube à Secretaria de Cultura os trâmites burocráticos da contratação e o contato com a empresa, que também ficou responsável pela apresentação de notas e valores do show.
“O vereador destina o valor da emenda para cultura. Eles [as empresas] mandam toda a documentação para a Secretaria de Cultura. A Secretaria de Cultura avalia o valor da menor nota”, afirmou à coluna.
“É o vereador que paga? É o vereador que vê toda a documentação? É o vereador que vai lá no escritório [da empresa]? Não é”, disse.
Nelson Hossri diz que os vereadores, ouvindo a comunidade, indicam possíveis tipos de música, mas que a Secretaria de Cultura é a responsável pelos pagamentos, contratação, análise de documentos, verificação de preços de mercado e tipo de contratação.
Ele também diz que não sabia que o preço pago pelo show do Negritude Júnior estaria acima do preço praticado no mercado.
“Se ela contratou errado, se superfaturou, qualquer coisa, é a Prefeitura, não é o vereador. Eu não tenho como mexer com esse dinheiro”, afirmou.
Arnaldo Salvetti, cuja emenda ajudou a bancar o show de Frank Aguiar, também disse à coluna que a contratação é feita via Secretaria de Cultura, e que a prerrogativa do vereador é apenas indicar a emenda.
“A Cultura tem um critério para a contratação de artistas e é ela que faz. Eu só indiquei a verba impositiva para ser pago o cachê do artista. Não faço contratação, não faço nada”, disse.
Segundo ele, a indicação veio a partir da comemoração do “Dia do Cavaleiro”, cujo pedido veio do Clube dos Cavaleiros de Campinas.
“Inclusive essa data é oficial e o clube me pediu se eu poderia fazer a doação da emenda impositiva para a contratação do artista. Quem fez o pedido foi o clube, eu não pedi artista nenhum”, disse.
O ex-vereador Marcelo da Farmácia, embora não tenha respondido aos contatos da coluna, afirmou nos autos do processo que as emendas são um dispositivo previsto em lei e suas indicações ocorreram dentro do previsto, e, portanto, não houve qualquer irregularidade nas indicações.
Ele também afirma que, além da conformidade das emendas, a responsável por cumprir as emendas são as secretarias do município, a quem cabe “iniciar o procedimento de contratação, seja licitação, pregão, tomada de preços, diálogo competitivo, ou qualquer outro que a lei determine, não havendo qualquer ingerência do Poder Legislativo Municipal neste processo”.
A Secretaria de Cultura diz que os processos de contratação por meio de emendas impositivas foram iniciados com as indicações dos vereadores autores das emendas, “cabendo à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo a análise da documentação e a formalização do processo administrativo”.
“A Prefeitura não define os valores dos cachês. O valor a ser pago é estabelecido com base em comprovações de preço praticado nos últimos 12 meses, e o preço final contratado é sempre o menor valor apresentado nesse conjunto”, afirmou em nota.
A coluna também entrou em contato com as empresas agenciadoras.
A Conectshows afirmou que todos os show públicos são realizados através de inexigibilidade de licitação, obedecendo sempre os requisitos estabelecidos em lei e, para isso, são enviadas notas fiscais para comprovação de valor.
Quanto à precificação do show, a empresa diz que são levados em conta a logística do transporte dos artistas, data, responsabilidades e até “o interesse em realizar shows em certas regiões e participar de certos eventos que para o artista é importante fazerem parte”. Ainda, diz que não existe uma” tabela de preços a ser seguido”.
“O simples fato de ter preços diferentes em datas diferentes não pode ser enquadrado em sobrepreço, ademais, para classificar sobrepreço, teríamos que ter situações iguais, o que é impossível no setor artístico”, disse.
A Portal dos Eventos afirmou que desconhece o vereador Marcelo da Farmácia, e que costurou a contratação de Marco Paulo e Marcelo por meio da Secretaria de Cultura, depois do envio de diversos documentos referentes aos preços cobrados.
Ainda, disse que o valor do contrato em Campinas foi “mais barato” do que o preço cobrado normalmente.
“Nós temos que analisar o contrato em cima das nossas viagens. Por exemplo, se eu for fazer um show no norte de Minas, até chegar em Campinas eu vou ter mil km. Toda a logística fica mais cara”, afirmou.
Já a Luma P C Aguiar Lacerda Produção, responsável pelo show de Frank Aguiar, afirmou que a contratação foi realizada diretamente com a Secretaria de Cultura de Campinas, conforme editais e processos estabelecidos, que incluem apresentação de propostas, análise de preços e avaliação de currículos artísticos.
“A empresa Luma P C Aguiar Lacerda Produção seguiu o processo formal estabelecido pela Secretaria de Cultura, sem contato direto com o vereador para definição do show”, disse.
Quanto ao preço cobrado pelo show, a Luma afirmou que foi definido com base em sua política de precificação, considerando custos de produção, cachê do artista e outros fatores relevantes.
“O valor refletiu as especificidades do show, incluindo produção, deslocamento do artista e equipe, além de outros custos associados”, concluiu.
A J.P.R Produções, responsável pelo show de Alex e Yvan, disse que tem “todos os documentos que compravam e justificam os valores praticados em todo o Brasil” e que estão “tranquilos quanto à investigação”.
A BR Brasil Eventos afirmou que irá se manifestar nos autos do processo.
A coluna não obteve contato com a empresa Roneia Forte Correa, que representa o Negritude Júnior.