Antes de escolhermos com quem nos aliaremos, conversaremos e mediremos o tamanho daqueles com quem iremos brigar. Precisamos, antes de tudo, resolver um pequeno detalhe interno: quem somos nós nessa guerra de quem tem grana, e para qual dos brigões essa grana está faltando para grandes investimentos? Porque, cá entre nós, o Brasil não é nem o Velociraptor, e muito menos o Tiranossauro-Rex. A gente é mais um tatu-canastra ou tatu-bola: blindado, pacato, mas cheio de dribles e surpresas quando cutucado. E com uma vantagem: nós temos comida, água, terra, minério, floresta… e paciência. Muita paciência e tempo para produzi-la em larga escala. Na última guerra, dos outros, e que entramos, deixamos milhares de brasileiros plantados no Cemitério de Pistóia, na Itália. Se decidirmos, agora, pelo lado errado, os nossos irmãos ficarão enterrados, aqui mesmo, e de fome…cheios de comida ao lado.
Mas agora querem que a gente entre numa guerra que não é nossa. E nós? Nós estamos aqui com a maior reserva de água doce do mundo, com o agro que alimenta mais da metade do planeta e com minérios estratégicos que fazem qualquer iPhone tremer de desejos. Pra que se meter na briga de cachorro grande? Os nossos embaixadores, diplomatas e cônsules estarão à altura de um Vinícius de Morais para empurrar com a barriga esses monstros, na base da música e da simpatia?
Aliado bom é aquele que não manda e-mail em caixa alta nem exige fidelidade canina. A gente precisa de parcerias que respeitem a nossa biodiversidade sem querer patentear o açaí e o guaraná. O agro brasileiro é robusto, resiliente, e aprendeu a dançar conforme a chuva, o sol e a geada. E não tem tempo pra guerra fria gourmet. Ele quer vender carne, soja, café, suco de laranja, manga, ferro, nióbio, e se bobear, até pra Marte. Para que isso aconteça, nos aliaremos até com Vênus. Desde que paguem em dia, claro.
Temos também o subsolo mais cobiçado desde que inventaram o lítio, o nióbio, cassiterita, terras raras, ouro, petróleo — e tudo isso misturado com floresta de plantinhas com noventa metros de altura. Um pesadelo logístico para quem quer extrair sem sujar os sapatos. E ainda vêm, uns e outros, dizendo que querem “proteger a Amazônia” com exércitos verdes, para evitar a morte de elefantes, zebras, leões, gorilas, girafas e outros bichinhos que os nossos índios não viram nem em zoológicos. Vai ver, continuam achando que as nossas enormes árvores crescem em solo pobre e crescem tanto que tocam o Céu. As nossas árvores não entendem esse inglês.
Adversário bom é aquele que te faz pensar, te desafia com respeito e até compra o que você vende. Com ele, dá pra negociar, pechinchar, até fingir que briga enquanto fecha contrato. E se der certo, vira até aliado. O problema é quando o adversário começa a impor sanções com a mesma cara de quem dá bom dia. Aí a coisa entorta. Nós temos que entrar nas mesas de negociações, com cara de tatu-bola mas sabedores que além de produzir para o mundo comer, também somos 300 milhões de vorazes consumidores. Isso é um baita mercado para os brigões lamberem os beiços.
Eles também sabem que nós podemos comprar e trocar.
Inimigo mesmo é o que sorri enquanto tenta comprar seu país em prestações. Ou que quer te transformar em quintal produtivo, desde que você aceite tecnologia de segunda mão e preços de banana (sem nem consultar o agricultor). Inimigo é quem tenta ditar com quem você pode ou não fazer negócio — e ainda quer aplauso, tudo isso com a borduna nas mãos. Dizem, dizem, que os nossos antigos aliados, produziam, no FED, DUAS TONELADAS DE NOTAS DE CEM DÓLARES e mandavam para o Brasil, dezenas de tratores e leite para a merenda escolar, remédios em estoque e vacinas para grandes campanhas. O dinheiro recebido por trabalho a ser efetuado, já dizia o Professor Simonsen, não gera inflação, desde que haja um bobo para ficar com o estoque enferrujado.
Antes de decidir quem vai para a nossa feijoada diplomática, precisamos sentar à mesa com o Brasil real, aquele da geral do Maracanã e do Morumbi. Sem polarização, sem “Garrinchas contra Pelés” internos, doidos para serem russos, chineses ou americanos. Juntos, dá pra jogar um xadrez refinado com os dois Dinossauros, ao mesmo tempo — e ainda vender o tabuleiro de cedro para um deles. Se ficarmos brigando entre nós, vamos acabar vendendo, e entregando: a floresta, os pampas e o pantanal, a metro quadrado, em liquidação de soberania.
Ao fundo, a guerra deles é sobre escravização ou dominação. A nossa, se existir, é pela liberdade. E liberdade econômica se conquista com estratégia, inteligência e uma boa dose de ironia tropical. Não adianta vir com sanção, com pressão, com diplomacia de porrete. Aqui é Brasil com “S”. O país onde até a onça e o jabuti, se quiserem, escalam a árvore do sapoti, para conversar, se entender e rir.
E que fique claro: se a guerra for pelo futuro, a gente entra com água, comida, minério e até uma rede pra cochilar. Mas só se for do nosso jeito. O jeito do Brasil com “S”.
Roberto Caminha Filho, economista, não quer saber de adversários e inimigos. Só temos tempo e recursos para novos aliados.