Após 67 anos de mistério, uma equipe de químicos conseguiu confirmar uma antiga teoria sobre a vitamina B1, também chamada de tiamina. Pela primeira vez, pesquisadores conseguiram estabilizar em água uma molécula altamente reativa, algo que era considerado impossível.
A descoberta, publicada em 11 de abril na revista Science Advances, não apenas comprova a hipótese proposta em 1958 pelo químico Ronald Breslow, como também pode abrir caminho para métodos mais limpos e eficientes na produção de medicamentos e outros materiais.
A molécula em questão é um carbeno, um tipo de carbono com apenas seis elétrons de valência. Enquanto o carbono costuma ser estável com oito elétrons ao seu redor, o carbeno, com seis, é altamente instável e tende a se decompor instantaneamente, especialmente em ambientes aquosos, como o interior das células humanas.
Desde a década de 1950, havia a suspeita de que a tiamina seria capaz de formar um carbeno como intermediário em reações bioquímicas. No entanto, ninguém havia conseguido comprovar essa estrutura em meio biológico.
“Esta é a primeira vez que alguém conseguiu observar um carbeno estável na água. As pessoas acharam que era uma ideia maluca. Mas, afinal, Breslow estava certo”, afirmou Vincent Lavallo, professor de química da Universidade da Califórnia em Riverside (UCR) e autor correspondente do estudo, em comunicado.
Molécula foi isolada com ajuda de estrutura protetora
Ronald Breslow, da Universidade de Columbia, havia sugerido que a vitamina B1 poderia se converter em carbeno para facilitar reações essenciais no metabolismo humano. A proposta fazia sentido do ponto de vista teórico, mas esbarrava na instabilidade dessas moléculas.
Para contornar esse obstáculo, a equipe liderada por Lavallo desenvolveu uma espécie de “armadura” molecular. Trata-se de uma estrutura criada em laboratório que protege o centro reativo do carbeno da água e de outras substâncias que o destruiriam.
Com essa proteção, os cientistas conseguiram não apenas isolar o carbeno, mas também selá-lo em um tubo, onde permaneceu intacto por meses. A estabilidade obtida foi suficiente para que a molécula fosse estudada por técnicas avançadas, como espectroscopia de ressonância magnética nuclear e cristalografia de raios X.
“Estávamos criando essas moléculas reativas para explorar sua química, não para perseguir uma teoria histórica. Mas acontece que nosso trabalho acabou confirmando exatamente o que Breslow propôs tantos anos atrás”, celebrou Varun Raviprolu, primeiro autor do artigo. Ele realizou a pesquisa durante o doutorado na UCR e atualmente é pesquisador de pós-doutorado na UCLA.

Descoberta pode tornar indústria química mais sustentável
Além do valor histórico, a descoberta tem aplicações práticas importantes. Carbenos são usados como ligantes (estruturas que estabilizam catalisadores metálicos) em processos industriais que envolvem a fabricação de medicamentos, combustíveis e outros produtos.
Esses processos geralmente utilizam solventes orgânicos tóxicos. Estabilizar carbenos em água pode tornar essas reações mais seguras e sustentáveis.
“A água é o solvente ideal. É abundante, não tóxica e ecologicamente correta. Se conseguirmos fazer esses catalisadores funcionarem na água, será um grande passo em direção a uma química mais sustentável”, explicou Raviprolu.
A possibilidade de gerar e manter moléculas altamente reativas em meio aquoso também aproxima os cientistas de reproduzir, em laboratório, o tipo de química que ocorre naturalmente nas células humanas, compostas majoritariamente por água.
“Existem outros intermediários reativos que nunca conseguimos isolar, assim como este. Usando estratégias de proteção como as nossas, talvez finalmente consigamos vê-los e aprender com eles”, afirmou Lavallo.
Para o pesquisador, que passou 20 anos estudando e projetando carbenos, o resultado é marcante tanto do ponto de vista profissional quanto pessoal. “Há apenas 30 anos, as pessoas pensavam que essas moléculas nem sequer podiam ser produzidas. Agora podemos engarrafá-las em água. O que Breslow disse tantos anos atrás e ele estava certo”, destacou.
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