No início da década de 1880, a abolição era um assunto frequente nas capas dos jornais. As publicações republicanas noticiavam o aumento das insurreições, a repressão injusta e a urgência do fim do trabalho escravizado. Já os diários que representavam o Partido Conservador defendiam a manutenção da escravidão e uso do Exército na captura de fugitivos. A liberdade dos negros era um dos ingredientes do jogo político que definiria o fim do Império.
Antes de mais nada, vamos esclarecer os integrantes dessa peleja pelo poder. Estamos em 1885. O Partido Monarquista Liberal, que defendia reformas administrativas descentralizadoras e o fim gradual da escravidão, estava no poder desde 1878. O Partido Monarquista Conservador, como se pode imaginar, queria manter a ordem e a violência contra os negros. E o Partido Republicano lutava pelo fim do Império e da escravidão.
Os republicanos usavam a violência contra os escravizados para criticar o governo; os liberais, no poder, para elogiar suas decisões; os conservadores para legitimar e prolongar a escravidão. E os jornais ecoavam esses debates, usando os levantes e as fugas de escravizados como sinal de que era necessário acabar com a escravidão ou era preciso usar mais força para mantê-la. Neste texto vamos usar duas publicações: o Diário Popular, de Campinas (Republicano) e Correio Paulistano, de São Paulo (Conservador)
Quem conta essa história são Artur José Renda Vitorino e Eliana Cristina Batista de Sousa no artigo “O pássaro e a sombra”: instrumentalização das revoltas escravas pelos partidos políticos na província de São Paulo nas últimas décadas da escravidão”, publicado na Revista Estudos Históricos, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas
Pelo texto é possível deduzir que, não importa a época, a informação vai ser manipulada a partir do interesse dos donos de um veículo. Os republicanos alimentavam o medo ao alardear o aumento expressivo de fugas, insurreições e violências contra negros e negras. Entretanto, o artigo afirma que “não existem dados suficientes e seguros que nos permitam afirmar categoricamente que as revoltas e rebeliões de escravos contra seus senhores foram numerosas neste ou naquele período”. Outra questão é que qualquer ação, seja uma fuga, um conflito ou um roubo, era chamado de insurreição pelos jornais. Sensacionalismo pela causa da liberdade.
O Diário Popular destinava críticas incessantes à Monarquia e acompanhava diariamente os conflitos e as violências contra escravizados. A seção “Cenas da Escravidão” sensibilizava seus leitores com denúncias de maus tratos. Na contramão, o Correio Paulistano muitas vezes silenciava sobre o tema para evitar alimentar a indignação e o apoio à abolição.
Foi uma grande polêmica quando as autoridades provinciais de todo o país passaram a utilizar o Exército para capturar escravizados em fuga. Os republicanos perguntavam se era função do Estado resolver um problema exclusivo de fazendeiros – eles que bancassem seus interesses. E acrescentavam que era uma atividade era ilegal, já que na lei brasileira a fuga não era considerada crime. Incentivados pelos abolicionistas, os militares começam a desobedecer às ordens para capturar fugitivos.
No final do ano de 1885 os liberais caem e os conservadores voltam a ocupar os ministérios imperiais. Com isso, o Correio Paulistano voltou a defender todas as ações do governo e manteve seu apoio ao uso do Exército. Mas isso não durou muito tempo.
Em 1887, a defesa da sociedade escravista se tornava insustentável com a pressão da imprensa, de políticos republicanos e liberais e as indisciplinas militares. A crise atinge o Partido Conservador e alcança o Barão de Parnaíba, presidente da província de São Paulo, que é obrigado a deixar o cargo.
Era um movimento irrefreável. O senador Antônio Prado coloca em pauta um projeto, há anos engavetado, que vetava o uso de forças policiais para prender escravizados fugitivos. O Correio Paulistano passou a publicar, entre o fim de 1887 e o início do ano seguinte, artigos pró-abolição. Quem era seu proprietário? O senador Antônio Prado.
Para o artigo, os rumores sobre o projeto da Lei Áurea fizeram da escravidão uma causa perdida. Transformou-se em um tema que uniu inimigos. Até o republicano Diário Popular elogiou as decisões do senador Antônio Prado. A partir de 1888 e após o 13 de maio, os escravos sumiriam lentamente das páginas dos jornais. Enfim livres, os negros deixaram de um ser um tema relevante para ser usado como munição no jogo de poder no fim do império.