Aos que partiram, com amor: minha eterna reverência

Hoje escrevo com o coração nas mãos. E não é força de expressão. É dor e gratidão misturadas num mesmo gesto. Escrevo porque não posso calar. Escrevo porque, se não disser isso agora, meu peito explode. Escrevo por mim, mas também por todos os que, como eu, estão sentindo este vazio imenso. Sergipe está de luto. Mas eu, pessoalmente, estou em prantos.

Nos últimos dois anos, perdi amigos. Mas não apenas amigos. Perdi ídolos, mestres, colegas de redação e professores de jornalismo. Gente que estava comigo na lida, na lousa, no bastidor e naquele barzinho de esquina. Gente que eu defendi nos tribunais, com quem ri nas redações, com quem discordei nas ideias, mas com quem sempre compartilhei um valor que não se negocia: a liberdade.

Thais Bezerra, Osmário Santos, Eugênio Nascimento, Ivan Valença, Raimundo Luiz. Cinco nomes. Cinco mundos. Cinco personalidades absolutamente diferentes, mas com um traço em comum: todos fizeram do jornalismo uma forma de existir. Todos viveram escrevendo. E morreram escrevendo também, mesmo quando já não havia mais tinta nos dedos, na máquina de escrever e no aprender do computador.

E eu estive lá. Ao lado de todos. Como advogado, sim. Mas também como parceiro de alma. Eu os defendi quando tentaram calá-los, quando tentaram descredibilizá-los, quando tentaram ignorá-los. Mas também os abracei em cafés discretos, nos sorrisos depois de uma matéria bem publicada, nos silêncios que só a amizade permite. Tive essa sorte. E isso me honra profundamente.

 

Thais Bezerra foi a primeira a partir. E com ela, parecia que uma elegância se despedia de Sergipe. Não era só uma colunista social. Era um símbolo de charme, inteligência e generosidade. A TB que a gente conhecia e que tanta gente achava distante era, na verdade, uma mulher de coração enorme, cheia de doçura, com uma visão estética do mundo que poucos tinham. Ela sabia ver beleza onde ninguém via. E mais: ela sabia contar essa beleza com palavras certeiras.

Nos eventos, era um show à parte. Passava e tudo se iluminava. E quando escrevia, parecia que tocava piano. Elegante, firme, precisa. Deixou um legado que nenhum outro jornalista conseguiu reproduzir. E me orgulho de ter feito parte da sua história, de ter sido chamado nos bastidores quando ela precisava de alguém que a defendesse, não de processos, mas de injustiças que ganhamos todas, aliás em algumas um acordo legal, talvez para TV, quiçá para o requerente.

Osmário Santos foi, talvez, o mais querido. Não existia quem não gostasse de Osmário. Ele era riso, era leveza, era aquele tipo raro de cronista que não feria ninguém e ainda assim dizia verdades. Seu “Repare, amigo!” virou saudação, virou marca, virou jeito de ver o mundo.

Ele escrevia como quem conversava. Suas colunas eram como aquele banco de praça onde a gente senta pra escutar histórias. Era respeitado porque não precisava gritar. Era lido porque tinha algo a dizer. E era amado porque sabia amar as pessoas através da escrita. Tantas vezes me ligou pra contar um caso, pra confirmar um detalhe, pra rir de alguma confusão e tantas vezes me disse: “Rapaz, não é melhor a gente evitar o rolo?” Esse era meu Osmarino querido como eu gostava de chama-lo. Meu primo! Osmarino, lembrança da minha tia Osmarina, prima dele, era diplomata sem ser político. Era justo sem ser duro. E era amigo como poucos. Sua ausência ainda dói, como a de alguém da família.

Eugênio Nascimento… ah, Eugênio. Com ele, o jornalismo era adrenalina. Era o jornalista de guerra em tempo de paz. Um estrategista, um editor com faro de cão farejador e cérebro de maestro. Sabia tudo, ouvia tudo, deduzia tudo. E escrevia com uma ironia fina que só os inteligentes sabem usar.

Trabalhei com ele. Convivi com ele. Bebi com ele. E ri com ele. E muitas vezes, quando uma manchete causava terremoto, era ele que estava por trás. Ele fazia jornalismo como quem joga xadrez: com cálculo, com visão de jogo, com riscos bem assumidos.

Era exigente, era acelerado, era inquieto. Mas era justo. E morreu como viveu: trabalhando, criando, inventando pauta, mudando rumos. Eugênio era impossível de copiar — e por isso mesmo, inesquecível.

Ivan Valença era o mais sereno. O mais intelectual. O mais discreto. Mas não se enganem: era de uma inteligência afiada como navalha. Sabia de tudo, lia tudo, via tudo, mas só falava quando tinha algo a acrescentar. E sempre tinha.

Apaixonado por cinema, falava dos filmes como falava dos políticos: com análise, com senso crítico, com aquele olhar de quem enxerga por dentro. Foi meu cliente durante anos. Me ligava com dúvidas jurídicas, sim, mas também pra compartilhar pensamentos. Nossa relação era mais preventiva do que combativa. Ele me ouvia com respeito. E eu o ouvia com admiração.

Ivan escrevia como um diretor de cinema. Sabia ritmo, sabia tempo, sabia o peso de cada palavra. E sabia, acima de tudo, ser humano — mesmo na crítica.

E por fim, Raimundo Luiz. O último a partir. E talvez o mais exigente de todos. Exigente com o mundo, com os fatos, com as palavras, mas principalmente, consigo mesmo.

Era o mestre da análise política. O homem que sabia maturar ideias como quem prepara vinho bom. Seus textos eram longos, sim. Mas quem lia, aprendia. Ele ensinava sem arrogância. Escrevia com firmeza. E pensava antes de escrever, algo tão raro hoje.

Tive muitas conversas com ele. Algumas duras, mas sempre respeitosas. Raimundo era daqueles que dizem a verdade olhando nos olhos. E quando ele criticava, era porque se importava. Porque queria melhorar. Era honesto e por isso, admirável.

E agora, aqui estou eu. Com meus 52 anos, carregando nas costas 26 de advocacia e 35 de jornalismo, desde os tempos do Onda Jovem, aquele jornal rebelde que mudou a juventude de Aracaju. De lá pra cá, vi muita coisa. Defendi muita gente. Ganhei batalhas, perdi outras. Mas nada me preparou para perder esses cinco.

Eles não foram apenas jornalistas. Foram colunas de um tempo em que a notícia tinha alma, tinha ética, tinha peso. Foram meus companheiros, meus clientes, meus amigos. E mais do que tudo: foram minha inspiração.

Hoje, escrevo essa carta aberta como quem manda um bilhete para o céu. Não sei se há céu dos jornalistas, mas se houver, deve estar barulhento, animado, cheio de pauta, de piada, de café, de lembrança boa. Saibam que vocês viveram como gigantes. E que deixaram em mim e em muitos outros um sentimento que nem o tempo apaga: amor.

Amor por tudo o que fizeram. Por quem foram. Por como viveram. Por terem feito parte da minha vida. Obrigado, Thaís. Obrigado, Osmário. Obrigado, Eugênio. Obrigado, Ivan. Obrigado, Raimundo. Amo vocês. E honro vocês. Hoje e sempre.

 

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