Um experimento incomum envolvendo um entusiasta de cobras dos Estados Unidos resultou em um avanço científico. Tim Friede, de 55 anos, passou mais de duas décadas injetando voluntariamente pequenas doses de veneno em si mesmo. Agora, cientistas investigam que há anticorpos encontrados no sangue de Friede que podem proteger camundongos contra toxinas encontradas em 19 espécies de cobras diferentes.
Friede ficou conhecido pelo risco ao qual expôs o próprio corpo por mera curiosidade. Ao longo dos anos, ele acumulou mais de 850 injeções de venenos de cobras letais e afirma ter sido picado mais de 200 vezes, muitas delas de forma intencional.
Seu objetivo era treinar o próprio sistema imunológico para resistir a ataques de serpentes venenosas. Apesar de reações como febres altas, convulsões e dores intensas, Friede sobreviveu e, anos depois, viu sua experiência extrema se transformar em um ativo valioso para a ciência.
A pesquisa foi publicada na última sexta-feira (2), na revista científica Cell. A equipe foi liderada por Jacob Glanville, especialista em imunologia computacional e fundador da empresa Centivax, analisou amostras do sangue de Friede e identificou dois anticorpos interessantes: o LNX-D09 e o SNX-B03.
Ambos os anticorpos se mostraram capazes de neutralizar neurotoxinas de cadeia longa e curta, que são responsáveis por paralisar músculos e afetar o sistema nervoso central em picadas de elapídeos (grupo que inclui espécies como mambas-negras, najas e taipans).
Avanços
Os primeiros testes, realizados em laboratório, mostraram que o coquetel formado pelos dois anticorpos combinado com um medicamento já existente, o varespladib, protege completamente camundongos que foram expostos ao veneno de 13 entre 19 espécies analisadas. Para os outros seis casos, o tratamento prolongou significativamente a vida dos animais.
Um dos grandes benefícios dessa pesquisa é a redução de riscos associados aos tratamentos tradicionais derivados de cavalos e ovelhas, que têm efeitos colaterais graves em humanos, apesar de sua eficácia.
Os pesquisadores destacam que a principal vantagem dos antídotos desenvolvidos a partir de anticorpos humanos é a menor probabilidade de causar rejeição e outras complicações imunológicas, que é um problema comum com antídotos derivados de outros animais.
A meta é criar um produto eficaz contra diversas espécies e que possa ser administrado com segurança em hospitais de diferentes portes, inclusive em locais com infraestrutura limitada.
Atualmente, os antídotos disponíveis são específicos para grupos limitados de espécies, o que significa um desafio logístico e clínico em diversas regiões. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que até 138 mil pessoas morram anualmente em decorrência de picadas de cobra, muitas delas em áreas rurais e afastadas de centros médicos.
Por enquanto, o novo antídoto se mostra eficaz somente contra venenos de elapídeos e ainda não apresenta resultados positivos contra as víboras (como cascavéis e jararacas), que causam danos principalmente aos tecidos e ao sistema circulatório. Porém, os pesquisadores já estão avançando para a segunda fase do estudo, para desenvolver anticorpos que possam neutralizar esse outro tipo de toxina.
Mesmo com bons resultados preliminares, ainda há muito caminho a percorrer até que o antídoto esteja disponível para uso humano. É necessário testes clínicos para avaliar a segurança e a eficácia da terapia em pessoas, além de desafios econômicos em relação a produção de larga escala.
Fonte: InfoMoney