São Paulo — O Procon de São Paulo oficiou o governo Jair Bolsonaro (PL) em seu primeiro ano de mandato, em 2019, para investigar uma onda de 16 mil descontos indevidos nas aposentadorias, mesma prática adotada pelas entidades da farra do INSS revelada pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023 e que viraram alvo da Polícia Federal (PF) neste ano.
As entidades suspeitas de envolvimento no esquema de fraude contra aposentados arrecadaram R$ 6,3 bilhões com descontos de mensalidade associativa desde 2019, segundo a Operação Sem Desconto, deflagrada pela PF no dia 23/4 e que culminou nas demissões do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.
As denúncias captadas pelo órgão de defesa do consumidor se referiam a descontos indevidos que tinham sido captados por unidades municipais e na estadual do órgão desde 2017. As estatísticas, naquela época, já indicavam um grande aumento ano a ano –passaram de 2.269 casos em 2017 para 7.564 em 2019, um aumento de 233%.
“Em razão dessa prática, a Fundação Procon-SP solicita à Senacon [Secretaria Nacional do Consumidor] e ao INSS a suspensão imediata da autorização concedida a todas as associações para avaliação dos problemas, correção das práticas irregulares, reavaliação dos critérios que balizam os termos de cooperação e convênio com associações civis para maior segurança e proteção dos consumidores, e ainda ação articulada para atendimento e reparação dos consumidores prejudicados”, afirmou nota do Procon.
Na ocasião, foi identificado um crescimento muito grande entre os descontos feitos pelas entidades denunciadas, sendo que a soma de parte das analisadas passou de R$ 41,2 milhões, em 2017, para R$ 194,9 milhões, em 2018, e R$ 173,2 milhões no ano seguinte. Em março de 2024, o Metrópoles revelou que a arrecadou anual dessas entidades havia saltado para R$ 2 bilhões.
Entidades voltaram a operar
Embora algumas entidades tenham sido punidas, outras seguiram atuando impunemente, sem mudanças substanciais na fiscalização. Duas delas até voltariam a fazer descontos após mudar de nome, uma delas no governo Lula (PT) e a outra ainda no governo Bolsonaro (PL).
Segundo auditoria do próprio INSS citada no inquérito da PF, a ABRAPPS, que na época da rescisão do acordo chamava-se ANAPPS, foi alvo de restrições de novo acordo “devido ao histórico de ações judiciais contra a entidade por descontos não autorizados”.
Essa entidade já constava do balanço do Procon-SP, com 670 repasses indevidos apenas no estado de São Paulo, entre 2017 e 2019.
Em setembro de 2021, durante a gestão Bolsonaro, no entanto, o INSS alterou esse posicionamento e formalizou novo acordo com a entidade suspeita. Em 2024, ela tinha 5.550 filiados com desconto associativo mensal em suas aposentadorias.
Um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) no site Reclame Aqui mostrou que essa entidade teve 196 reclamações, sendo 74% relacionadas a descontos indevidos. De acordo com o TCU, a entidade saiu de zero repasses para quase R$ 2 milhões em 2023.
Já a AAPEN, quando se chamava ABSP, foi fiscalizada em 2019 e teve acordo rescindido em fevereiro de 2020. Ela chegou a ter dois indeferimentos de novos acordos. No entanto, o posicionamento mudou em março de 2023, já no governo Lula. No ano seguinte, ela tinha 491.925 filiados com desconto associativo.
Falha na fiscalização
Além do Procon-SP, a Procuradoria do Paraná também havia alertado sobre o problema. A Controladoria-Geral da União (CGU) apontou como houve uma falha por parte do INSS, mesmo sabendo da ocorrência desse tipo de esquema.
“Mesmo conhecendo essa situação, a existência de denúncias recorrentes acerca da realização de descontos associativos não autorizados pelos beneficiários, e a falta de capacidade operacional necessária para acompanhamento dos ACTs [Acordos de Cooperação Técnica], o INSS não implementou controles suficientes para mitigar os riscos de descontos indevidos”, afirmou o órgão.
Para a CGU, “o súbito aumento dos descontos realizados em folha, acompanhado por um incremento concomitante na quantidade de requerimentos de cancelamento dos descontos associativos, são indicativos de possíveis irregularidades e de fragilidade dos controles implementados no processo, os quais deveriam ser acompanhados pelo INSS”.