O conclave está para começar, e de tudo o que foi dito sobre os desafios da Igreja Católica desde a morte de Francisco, o recado essencial foi dado pelo cardeal Giovanni Battista Re, na missa pro eligendo Romano Pontifice, celebrada hoje na Basílica de São Pedro, horas antes que os cardeais eleitores se trancassem na Capela Sistina.
Na sua homilia, ele afirmou que “é forte o apelo para manter a unidade da Igreja no sulco traçado por Cristo aos Apóstolos. A unidade da Igreja é desejada por Cristo; uma unidade que não significa uniformidade, mas firme e profunda comunhão nas diversidades, desde que se permaneça em plena fidelidade ao Evangelho. Cada papa continua a encarnar Pedro e a sua missão e, assim, representa Cristo na terra; ele é a rocha sobre a qual a Igreja é construída”.
Aos 91 anos, Giovanni Battista Re é o decano do colégio cardinalício e, por ter ultrapassado os 80 anos, não estará entre os 133 eleitores do conclave. Mas ele foi um voz poderosa tanto na condução do funeral de Francisco, como durante as reuniões de cardeais ocorridas nos últimos dias.
Da mesma forma que outros cardeais experientes, Giovanni Battista Re sabe que o caminho seguido por Francisco estava conduzindo a uma divisão paralisante e, no limite, a um cisma.
Francisco teve a coragem de enfrentar um problema grave que os seus antecessores contornaram, a pedofilia quase que sistêmica no clero, e de abrir uma fresta para as uniões gays ao concordar que padres abençoassem católicos que optaram pelo laço proibido pela Igreja. Ele também se mostrou compreensivo com homens e mulheres divorciados que se casaram novamente, permitindo que pudessem comungar sem cumprir a continência sexual que lhes era exigida.
Por motivos diferentes, Francisco desafiou cardeais da Cúria Romana e irritou a ala católica mais conservadora que milita para muito além dos muros do Vaticano. Um certo isolamento era o preço a pagar, mas, nesse enfrentamento solitário, o papa argentino também exacerbou aspectos negativos da sua personalidade.
Sob a aparente bonomia, Francisco era autoritário, avesso a ouvir opiniões divergentes e, desconfiado até mesmo dos cardeais que nomeou para a Cúria Romana, tomava decisões sem comunicar ninguém.
O papa argentino tinha, portanto, uma personalidade desagregadora, que certamente não contribuiu para ajudar na cicatrização das feridas inevitáveis causadas pelas suas posições.
O que o cardeal Giovanni Battista Re indicou, na sua homilia, é que o conclave fará bem se escolher um papa que, ainda que disposto a encampar parte das batalhas de Francisco, compreendesse que a Igreja comporta em si uma diversidade que não pode ser cancelada, sob o risco de desintegração em uma sociedade “que tende a esquecer Deus”. Um moderado, portanto, disposto a conciliar contrários, não a acirrar divisões. Estaria ele pensando em Pietro Parolin, que era o secretário de estado do papa argentino?