Durante sua primeira homilia como papa, Leão XIV afirmou esperar que a Igreja Católica atue como um “farol que ilumina as noites do mundo”. A celebração aconteceu na manhã desta sexta-feira (9/5), na Capela Sistina, Vaticano, diante dos cardeais que participaram do conclave que elegeu o Sumo Pontifice.
A mensagem do novo papa reforçou a ideia de que a missão da Igreja vai além das estruturas físicas e do poder institucional. Para ele, a força da fé cristã deve se expressar na santidade de seus membros e na capacidade da Igreja de ser um ponto de luz e orientação em tempos difíceis.
“Deus me confiou este tesouro para que, com a sua ajuda, eu possa ser seu administrador fiel em benefício de todo o Corpo Místico da Igreja”, declarou Leão XIV em sua homilia. Segundo ele, essa responsabilidade inclui tornar a Igreja “uma cidade sobre o monte”, “uma arca de salvação” e, principalmente, “um farol que ilumina as noites deste mundo”.
O papa também expressou preocupação com o que vê como um afastamento da fé, diante da busca por outras formas de segurança e sentido. Ele mencionou, entre os principais desafios, a crescente valorização do dinheiro, do sucesso, do prazer e da tecnologia em detrimento dos valores cristãos.
“Ainda hoje não faltam contextos em que a fé cristã é considerada uma coisa absurda, para pessoas fracas e pouco inteligentes”, observou.
A escolha do novo pontífice foi anunciada nessa quinta-feira (8/5), por volta das 13h08 (horário de Brasília), quando a tradicional fumaça branca saiu da chaminé da Capela Sistina, seguida pelo som dos sinos da Basílica de São Pedro.
A decisão foi tomada após quatro rodadas de votação iniciadas na quarta-feira (7/5), quando os cardeais ficaram isolados para o conclave. O nome de Leão XIV foi confirmado depois que ele alcançou o mínimo necessário de 89 votos.
Leia a íntegra da homilia do papa Leão XIV:
“Vou começar em inglês e o restante é em italiano, mas eu quero repetir as palavras do salmo: ‘Cantai ao Senhor um cântico novo, porque fez maravilhas’. E de fato, não só comigo, mas com todos nós, meus irmãos cardeais. Eu convido vocês a celebrar as maravilhas que Ele fez, as bênçãos que Deus continua a derramar sobre nós.
Para o ministério de Pedro, vocês me chamaram para essa missão e convido todos a caminharem comigo, como comunidade dos discípulos de Cristo que anunciam o Evangelho. ‘Tu és o Cristo o filho do Deus vivo’, com estas palavras, Pedro, interrogado pelo mestre, juntamente com os outros discípulos sobre a sua fé nele, resume a herança que a igreja através da sua sucessão apostólica em 2 mil anos, conserva, aprofunda e transmite ao longo dos 2 mil anos. Jesus é o Cristo, o filho do Deus vivo, isto é, o único salvador e revelador da face do pai.
Nele, Deus para se fazer próximo e acessível aos homens revelou-se a nós no olhar confiante de uma criança, na mente viva de um jovem e nos traços maduros de um homem até aparecer aos seus depois da Ressurreição com o seu corpo glorioso.
Ele nos mostrou, assim, um modelo de humanidade santa que todos podemos imitar, juntamente com a promessa de um destino eterno que ultrapassa todos os nossos limites e capacidades. Pedro, na sua resposta, capta ambas as coisas. O dom de Deus e o caminho a seguir para se deixar transformar por ele. Dimensões inseparáveis da salvação, confiadas à Igreja para que ela anuncie para o bem do gênero humano.
Confiai-nos a nós, escolhidos por ele antes de sermos formados no ventre materno, regenerados nas águas do batismo e para além dos nossos limites e sem o nosso mérito, conduzidos até aqui e daqui enviados para que o evangelho seja anunciado a toda a criatura.
Em particular, Deus chamando-me através do vosso voto, para suceder ao primeiro dos apóstolos, confia-me este tesouro para que, com sua ajuda, eu seja o seu fiel administrador em benefício de todo o corpo místico da igreja, para que seja cada vez mais uma cidade edificada sobre o monte, uma arca de salvação que navega nas ondas da história, um farol que ilumina a escuridão do mundo.
E isto não se deve tanto à magnificência das suas estruturas, ou à grandeza das suas construções, como os monumentos em que encontramos, mas, sim, à santidade dos seus membros, daquele povo que deus adquiriu para si, para que anuncie as maravilhas daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.
Contudo, na raiz da conversa em que Pedro faz em sua profissão de fé, também há uma outra questão. Pergunta Jesus: ‘Quem dizem eles que é o filho do homem?’. Essa não é uma questão banal, mas diz respeito a um aspecto importante do nosso ministério: a realidade em que vivemos com os seus limites e as suas potencialidades, as suas questões e suas crenças. Quem dizem as pessoas que é o filho do homem? Pensando na cena sobre a qual estamos a refletir, poderíamos encontrar duas possíveis respostas para esta pergunta que delineiam duas atitudes diferentes: em primeiro lugar, a resposta do mundo.
Mateus enfatiza que a conversa entre Jesus e seus seguidores sobre a sua identidade acontece na bela cidade de Cesareia de Filipe, repleta de edifícios luxuosos, situada em um cenário natural e encantador aos pés do Monte Hérmon, mas também lar de círculos cruéis de poder, cenário de traição e infidelidade.
Essa imagem nos fala de um mundo que considera Jesus uma pessoa sem importância nenhuma, no máximo um personagem curioso que pode causar admiração do seu modo estranho de falar e de agir. E assim, quando a sua presença se torna incômoda devido às suas exigências morais e honestidade, esse mundo não hesitará em rejeitá-lo e eliminá-lo.
Depois, há uma outra possível resposta à pergunta de Jesus: a das pessoas comuns. Para elas, o nazareno não é um charlatão, é um homem justo, corajoso, que fala bem e que diz coisas certas como outros grandes profetas da história de Israel. É por isso que eles o seguem, pelo menos enquanto podem fazê-lo, sem muitos riscos e conveniências. Mas eles o consideram apenas um homem e, portanto, num momento de perigo, durante a Paixão, eles também o abandonam, e vão embora desiludidos. O que chama atenção nessas duas atitudes é a sua atualidade. Elas são encontradas na boca de muitos homens e mulheres do nosso tempo.
Também hoje existem muitos contextos em que a fé cristã é considerada algo absurdo, algo para pessoas fracas e pouco inteligentes, contextos em que outras certezas são preferidas a ela, como a tecnologia, o dinheiro, o sucesso, o poder, o prazer.
Esses são ambientes nos quais não é fácil testemunhar e proclamar o Evangelho e um daqueles que creem e acreditam são ridicularizados, combatidos, desprezados, ou ao máximo tolerados e lastimados, mas precisamente por isso são lugares onde a missão é urgente, porque a falta de fé muitas vezes traz consigo tragédias, como a perda do sentido da vida, o esquecimento da misericórdia, a violação da dignidade da pessoa nas formas mais dramáticas, a crise da família e muitas outras feridas das quais sofrem – e não pouco – a nossa sociedade.
Embora apreciado como homem, [Jesus] é reduzido a apenas um líder carismático, a um super-homem, isso não só entre os crentes, mas também entre muitos batizados, que assim acabam vivendo em um enteísmo do fato. Este é um mundo cujo é confiado, como o papa Francisco nos ensinou muitas vezes, somos chamados a testemunhar a fé em Jesus, o salvador, de forma alegre. Por isso, também pra nós é essencial repetir: ‘Tu és o Cristo, filho do Deus vivo’.
É essencial fazer isso antes demais na nossa relação com Deus, no compromisso de um caminho diário de conversão. Mas também como Igreja, vivendo juntos a nossa pertença ao senhor e levando a boa nova a todos. Digo isto, antes demais, a mim mesmo, como sucessor de Pedro, ao iniciar a minha missão de bispo da Igreja em Roma, chamado a presidir na caridade a Igreja universal, segundo a célebre expressão de Santo Inácio de Antioquia.
Ele levado acorrentado a esta cidade, lugar do seu iminente sacrifício, escreveu aos cristãos que lá estavam: ‘Então serei verdadeiramente discípulo de Jesus Cristo quando o mundo deixar de ver o meu corpo’.
Ele se referia à possibilidade de ser devorado pelas feras no circo, e assim aconteceu, mas as suas palavras evocam em sentido lato, um compromisso indispensável para que na Igreja exerça um ministério de autoridade.
Desaparecer, para que Cristo permaneça. Fazer-se pequeno, para que ele seja conhecido e glorificado. Gastar-se completamente, para que ninguém perca oportunidade de o conhecer e o amar. Que Deus me conceda esta graça hoje e sempre essa graça, hoje e sempre, com a ajuda da terna intercessão de Maria, mãe da Igreja”.