São Paulo — As investigações sobre o esquema bilionário de fraudes contra aposentados do Instituto Nacional do Seguro Seocial (INSS) citam pessoas que integram ou têm proximidade com ao menos seis partidos. O impacto político abrange nomes tanto governistas como da oposição, nos governos Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL).
O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023. Três meses depois, o portal mostrou que a arrecadação das entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto as associações respondiam a milhares de processos por fraude nas filiações de segurados.
As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela Polícia Federal (PF) e abasteceram as apurações da Controladoria-Geral da União (CGU). Ao todo, 38 matérias do portal foram listadas na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 23/4 e que culminou nas demissões do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.
PDT na mira
O baque mais visível até agora foi justo no PDT, partido de Lupi. Apesar de não ter sido citado nas investigações, a permanência dele no cargo ficou insustentável após tantos alertas feitos sobre o esquema. Os avisos viram por meio de reportagens e reunião do Conselho Nacional do INSS, em junho de 2023, sem nenhuma providência efetiva tomada.
O número dois de Lupi, Wolney Queiroz, também do PDT, assumiu o ministério. No entanto, a influência do partido no INSS não se limita a Lupi e Queiroz. O secretário do Regime Geral de Previdência Social, Adroaldo da Cunha Portal, é ex-chefe de gabinete do senador Weverton Queiroz.
Após a queda de Lupi, a sigla na Câmara decidiu se afastar do Planalto formalmente na terça-feira (6/5), quatro dias após a demissão de Carlos Lupi do comando do Ministério da Previdência. No entanto, bancada do PDT no Senado divergiu da bancada e anunciou que vai permanecer na base. A decisão foi tomada de forma unânime pelos três senadores do PDT: Ana Paula Lobato (MA), Leila Barros (DF) e Weverton Rocha (MA), que é o líder da legenda na Casa.
Ministro do PSD citado
Outro ex-ministro também foi atingido pelo escândalo é José Carlos Oliveira, do PSD, que comandou a Previdência na gestão Bolsonaro. Ele é citado na investigação por causa de transações suspeitas relacionadas a um assessor de uma das entidades investigadas.
De acordo com a PF, Oliveira atualmente mudou o nome para Ahmed Mohamad Oliveira Andrade. Ele foi presidente do INSS, entre novembro de 2021 e março de 2022, quando saiu para ser nomeado ministro do Trabalho e Previdência.
Um dos assessores do pecuarista Carlos Roberto Ferreira Lopes aparece em transações suspeitas por repassar dinheiro a um auxiliar-administrativo que, mesmo com renda de R$ 1,5 mil, é sócio de José Carlos Oliveira. O assessor foi identificado como Cícero Marcelino de Souza Santos e estava ligado à Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), presidida por Lopes.
O ex-ministro é citado na investigação, mas não consta como investigado.
PSB
Um dos principais partidos da base aliada do governo Lula, o PSB também se viu envolvido no escândalo por ocupar a cúpula do INSS e ter parlamentar que apareceu na investigação.
Afastado da chefia do INSS, o ex-presidente do instituto Alessandro Stefanutto era do PSB e só trocou o partido pelo PDT em janeiro deste ano. Foi na gestão dele que as fraudes atingiram o auge e ele acabou perdendo o cargo sob suspeita de omissão.
A investigação da PF, porém, acabou complicando ainda mais a situação dele. Em um caderno apreendido nas buscas envolvendo o lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, a PF encontrou anotações como “Stefa 5%” e “Virgílio 5%”, que sugerem suposto pagamento de propina a Stefanutto e ao ex-procurador do órgão Virgílio Oliveira Filho.
Já o deputado estadual maranhense Edson Araújo (PSB) recebeu, no período de um ano, R$ 5,4 milhões de uma das entidades investigadas.
De acordo com a Polícia Federal (PF), os pagamentos ao parlamentar foram feitos entre maio de 2023 e maio de 2024 pela Federação das Colônias dos Pescadores do Estado do Maranhão, que entrou na investigação por ter recebido R$ 400 mil da Confederação Brasileira dos Trabalhadores de Pesca e Aquicultura (CBPA), entidade que arrecadou R$ 99 milhões com descontos de mensalidade de aposentados.
Edson Araújo foi 2º vice-presidente da CBPA e presidente da federação de pescadores maranhenses.
PT
O PT, como partido do governo, foi diretamente afetado pelo escândalo e têm atuado na tentativa de reduzir os danos ao governo. A principal linha de atuação é dizer que o esquema acabou sendo desbaratado após uma operação da Polícia Federal na gestão Lula. No entanto, como mostrou o Metrópoles, os repasses às entidades suspeitas explodiram durante o governo do petista.
Além disso, algumas entidades têm ligação com políticos da sigla. Entre elas, está a Contag, que acumulou R$ 2 bilhões, entre 2019 e 2024, com descontos de aposentadorias, segundo a CGU. A entidade é presidida por Aristides Veras Santos, irmão do deputado federal Carlos Veras (PT-PE). Há uma série de pagamentos sob suspeita. Entre eles, R$ 5 milhões a uma agência de viagens.
Em meio ao escândalo, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT), se encontrou nessa quarta-feira (7/5) com representantes da Contag. O encontro foi omitido da agenda de Teixeira, que també mnão postou nada em suas redes sociais.
A entidade foi alvo de mandado de busca e apreensão na Operação Sem Desconto, mas acabou poupada do pedido de bloqueio de recursos da Advocacia-Geral da União (AGU).
O irmão de Lula, Frei Chico, também se viu citado em meio ao escândalo do INSS por ser vice-presidente de uma das entidades que aparece aparece no caso, o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical (Sindnapi). Embora ele não seja filiado ao PT, ele acabou engrossando a presença do presidente no noticiário ligado ao caso.
O Sindnapi foi a terceira que mais arrecadou com descontos, entre 2019 e 2024, e teve salto de faturamento de R$ 100 milhões em três anos, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU).
Até 2020, a entidade manteve um número estável na casa dos 170 mil filiados. Foi entre 2021 e 2023, no auge da farra dos descontos do INSS, que o número saltou para 420 mil filiados. Nesses três anos, o faturamento também cresceu exponencialmente, de R$ 41 milhões para R$ 149 milhões, segundo o TCU. A entidade refuta esta cifra.
PL
Mais um ministro de Bolsonaro foi citado na operação: o ex-chefe da pasta do Trabalho e da Previdência Social Onyx Lorenzoni. O político bolsonarista recebeu uma doação de R$ 60 mil na campanha ao governo do Rio Grande do Sul, em 2022, feita por Felipe Macedo Gomes, ex-presidente da Amar Brasil Clube de Benefícios (ABCB), uma das entidades investigadas.
O acordo de cooperação técnica da ABCB com o INSS, que permitiu descontos de 2,5% sobre aposentadorias, foi iniciado em março de 2022, quando Lorenzoni chefiava a Previdência e Gomes comandava a associação, e assinado em agosto daquele ano, período em que o político gaúcho já estava em campanha — a doação eleitoral, destacada pela PF, foi feita em 30 de setembro.
Onyx diz que, enquanto ministro da Previdência, não tinha conhecimento sobre quais entidades foram habilitadas para descontar de aposentadorias, um direito adquirido pelas associações em 1991.
Republicanos
O Republicanos, partido do centrão, também tem um representante entre as pessoas ligadas ao caso. Um das entidades investigadas, a CBPA tem como presidente Abraão Lincoln, que já comandou o Republicanos no Rio Grande do Norte e foi candidato a deputado federal pelo partido em 2018.
Lincoln tem relação com políticos do partido, tanto figuras regionais como nacionais. No ano passado, ele esteve, inclusive, presente no aniversário do presidente nacional da legenda, Marcos Pereira.
Após o evento, ele publicou foto com o deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos-RJ). “Ao lado de grandes amigos e líderes, celebrando o aniversário do nosso querido Marcos Pereira”, disse. Também declarou apoio presencialmente a Hugo Motta (Republicanos) na disputa à presidência da Câmara dos Deputados, em novembro de 2024 (foto em destaque).
Segundo a Polícia Federal, a CBPA não tinha um associado em 2022, quando firmou seu acordo com o INSS para poder efetuar descontos de mensalidade sobre aposentados.
No ano seguinte, já eram mais de 340 mil, resultando em uma arrecadação anual de R$ 57,8 milhões. No primeiro trimestre de 2024, auge da farra dos descontos, o número de filiados chegou a 445 mil, e o faturamento bateu R$ 41,2 milhões no período.