Governo perde R$ 10 bi por ano ao não fiscalizar produção de cerveja

A fama da atual gestão de não deixar escapar nenhuma fonte de receita parece ter, pelo menos, uma exceção: a indústria da cerveja. Isso porque o sistema da Receita Federal que monitorava em tempo real a produção de bebidas dentro das fábricas por meio de selos eletrônicos, o Sicobe, está desligado desde 2016.

O sistema foi criado justamente para tentar coibir irregularidades como sonegação de impostos e subnotificação de crimes fiscais. E, apesar de estudo da Universidade São Paulo (USP) estimar que a ausência do controle gere perdas de mais de R$ 10 bilhões por ano em arrecadação, não faltam agentes — dentro e fora do governo — dispostos a manter o sistema desligado.

O tema é discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), no Tribunal de Contas da União (TCU) e a indústria da cerveja tenta emplacar uma Medida Provisória (MP) para enterrar de vez o controle. O argumento é de que o Sicobe é obsoleto e oneroso.

O texto da MP foi apresentado pelos principais representantes do setor em reunião na Esplanada dos Ministérios, dentro do edifício sede do Ministério da Fazenda. No dia 3 de abril, às 14h, o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, recebeu em seu gabinete líderes do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv) e da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir), além de diretores de duas das maiores cervejarias do país: Heineken e Ambev.

De acordo com fontes, os industriais saíram de lá com uma promessa. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, que também estava no encontro, teria afirmado que “na gestão dele, o Sicobe não volta”. A reunião foi registrada na agenda pública de Barreirinhas. O campo “objetivos”, no entanto, ficou em branco. Confira:

Briga no STF

Logo após o Sicobe ser desativado, em 2016, a suspensão foi considerada irregular pelo TCU, que apontou vícios no processo de desligamento do sistema. O caso foi parar no STF após a União apresentar um mandado de segurança.

Em abril deste ano, o ministro Cristiano Zanin suspendeu as decisões do TCU que determinavam o retorno do Sicobe. Zanin argumentou que a Receita tem competência legal para definir as obrigações acessórias no âmbito tributário. O entendimento vale até o julgamento definitivo do mandado de segurança.

No início deste mês, a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), que representa vários fabricantes do país, pediu para integrar o processo como amicus curiae.

Suíça x Japão

O contrato para operar o Sicobe, estimado em R$ 1,8 bilhão por ano, também é alvo de disputa. Pelo menos duas empresas internacionais estão na briga: a suíça Sicpa — que operava o sistema até o desligamento — e a japonesa Dentsu Tracking.

Em 2024, vazou um áudio de um lobista da Dentsu, gravado na saída de uma reunião na sede da Receita Federal. No registro, ele afirma que a secretária-adjunta da Receita Federal, Adriana Gomes Rêgo, vaza informações para seu marido, Paulo Ricardo de Souza Cardoso — que, por sua vez, passaria os relatos para a empresa.

Na ocasião, a Receita Federal reagiu com uma nota em que argumenta sobre a “inviabilidade” do Sicobe. “O custo do religamento é estimado em R$ 1,8 bilhão anuais, para uma arrecadação tributária de aproximadamente R$ 13 bilhões em 2023. Esse valor é superior a tudo que a Receita Federal gasta com todos os demais sistemas que controlam toda a arrecadação federal. É superior ao orçamento de diversos ministérios do Governo Federal”, escreveu a Receita no documento. Adriana continua no cargo.

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