No coração da Amazônia, o estado do Pará está desenhando uma das políticas públicas mais ambiciosas e participativas do país. Trata-se do Sistema Jurisdicional de REDD+ (SJREDD+), uma ferramenta de financiamento climático e de combate ao desmatamento que vai além da conservação: valoriza quem vive na floresta, reconhece saberes ancestrais e propõe uma nova lógica de repartição de benefícios em escala estadual.
Com base nesse sistema, o estado já firmou um pré-acordo com a Coalizão LEAF, uma aliança global de países e empresas comprometidas com a preservação de florestas tropicais. O pré-acordo, celebrado com os governos dos Estados Unidos, Reino Unido, República da Coreia e Noruega, além de grandes corporações como Amazon, Bayer, BCG, Capgemini, H&M Group e Fundação Walmart, pode movimentar cerca de R$ 1 bilhão para o Pará. Os recursos arrecadados serão majoritariamente investidos nos territórios que ajudam a manter a floresta viva.
O processo de construção dessa política está sendo pautado por um extenso diálogo com as comunidades diretamente envolvidas. Desde 2022, mais de 1.700 representantes de povos indígenas, quilombolas, extrativistas, comunidades tradicionais e agricultores familiares (PIQCTAFs) participaram de oficinas, plenárias e seminários realizados dentro dos próprios territórios. Ao todo, 24 oficinas etnorregionais mobilizaram 27 povos indígenas, além de dezenas de comunidades quilombolas e extrativistas distribuídas por diversas regiões do estado.
“Eu não tinha muito conhecimento sobre como funciona o REDD+ e todo esse processo. Deram uma explicação bem técnica sobre o assunto e a gente compreendeu. Agora teremos que levar essas informações para os nossos territórios”, afirma Namofo Leo kaxuyana, da Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana.
Repartição justa, floresta viva
O REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) é um mecanismo internacional que permite a compensação financeira por resultados de conservação.
No Pará, o modelo adotado segue o padrão jurisdicional, ou seja, não se restringe a projetos pontuais: abrange todo o território estadual e integra a politica pública climática do governo.
“Esse processo é importante para que os conselheiros, as lideranças indígenas possam compreender mais sobre esse tema, assim como toda a questão do processo de consulta. Muitos povos querem saber como ele funciona. Muitos povos já querem ser consultados, outros querem mais informações. Estamos pautando temas como, por exemplo, mecanismos de acesso, repartição de benefício, minuta do processo”, detalha Ronaldo Amanayé, representante da Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa).
Consulta e protagonismo real
Uma das etapas mais importantes do modelo paraense é o processo de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), exigido por convenções internacionais como a OIT 169. O Pará elaborou um plano com mais de 30 sessões específicas de consulta a serem realizadas em 2025 – todas conduzidas de forma regionalizada e com adaptação metodológica para cada realidade.
“O processo de consulta tem que ser feito com respeito à nossa realidade. Acredito que, com as nossas contribuições, esse material chegará aos territórios com mais segurança, mais propriedade, abordando temas difíceis, mas por meio de uma metodologia acessível. Sabemos que haverá desafios, mas estamos mais animados depois desses momentos e temos a certeza de que tudo vai dar certo”, afirma Erika Monteiro, da coordenação da Malungu, entidade que representa comunidades quilombolas no estado.
Esse processo busca garantir que a legislação estadual de REDD+ – prevista para ser encaminhada ainda em 2025 – seja construída com base no consenso e no respeito às culturas locais.
Uma política para o futuro
Além da repartição de benefícios, o SJREDD+ também estabelece mecanismos de governança e transparência, como a criação de uma ouvidoria específica, um sistema de salvaguardas sociais e ambientais e um canal público para monitoramento de resultados. O estado já estrutura sua Companhia de Ativos Ambientais para operacionalizar a gestão de créditos de carbono de forma transparente, com supervisão técnica e controle social.
“Trabalhamos com um modelo que integra métricas internacionais e escuta ativa dos povos tradicionais, com prioridade para quem conserva e vive da floresta”, afirma Raul Protázio, secretário de Meio Ambiente do Pará.
“A construção do REDD+ no Pará tem como premissa o protagonismo das comunidades. É assim que estamos estruturando um legado ambiental concreto, que une inclusão, ciência e justiça climática”.
Vice-governadora Hana Ghassan
COP 30: vitrine para o mundo
A implementação do SJREDD+ se alinha ao protagonismo que o Pará exercerá na COP 30, conferência do clima da ONU que será realizada em Belém em 2025. O evento colocará a Amazônia no centro das atenções globais, e o modelo paraense de REDD+ – com participação real dos povos da floresta e padrões internacionais de integridade – deve ser uma das principais vitrines do Brasil no encontro.
“Estamos construindo um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, onde floresta viva significa dignidade, renda e direitos garantidos para quem sempre cuidou dela”, conclui o governador Helder Barbalho.