O aumento desenfreado do garimpo em Cristalina (GO) se baseia na alta da venda tanto do cristal quanto do óxido de ferro. Estima-se que um quilo do óxido de ferro custe cerca de R$ 30, e que cada garimpeiro seja capaz de extrair até 10 quilos diariamente.
A partir dessa conta simples, deduz-se um lucro de R$ 300 por dia; mais de R$ 2 mil por semana; e mais de R$ 8 mil por mês. Sem contar o garimpo e a venda do cristal, que continua de forma paralela.
Após a operação da Polícia Civil de Goiás (PCGO) realizada em 7 de maio, que prendeu 57 homens e 15 mulheres suspeitos de garimpagem ilegal na região, o Metrópoles foi a Cristalina e conversou com garimpeiros, lapidários, artesãos, revendedores, autoridades policiais e a população em geral para entender o porquê do aumento. Todos confirmam que, há alguns meses, o garimpo vem crescendo de forma desenfreada.
“Desde o ano passado, a gente vem tendo uma procura muito grande pelo óxido de ferro. É um material muito fácil de ser extraído, porque ele ‘dá’ quase no solo, a menos de dois metros de profundidade”, explica o vice-presidente da Associação dos Artesãos, Garimpeiros e Mineradores de Cristalina, Willian Souto. “Com isso, aumentou também a procura dos garimpeiros para extração desse minério”, afirma.
“Assim, passamos a ter não só os garimpeiros que já atuavam, mas também profissionais que deixaram seus trabalhos rumo ao garimpo”, conta Willian Souto. Ele atesta que Cristalina passou a receber até mesmo pessoas de outras regiões, dada a facilidade de escavação do óxido de ferro e a oportunidade de venda do material. “Acaba que sai um pouco do controle”, pontua o vice-presidente da associação dos profissionais do setor.
15 toneladas apreendidas
Em 10 de maio, a Polícia Militar de Goiás (PMGO) apreendeu mais de 15 toneladas de minerais em uma residência na região, quantidade jamais vista em posse de uma só pessoa no município. O produto foi avaliado em R$ 500 mil pelas autoridades, e um homem foi preso em flagrante porque não possuía autorização para a extração do minério.
“Alguns dias após a operação [que prendeu mais de 70 pessoas], tivemos a prisão em flagrante de um indivíduo que tinha em sua posse cerca de 15 toneladas de cristais. Figurou-se, então, o crime de usurpação de matéria-prima da União”, explica o delegado-chefe da Delegacia de Polícia de Cristalina (GO), Allisson Gotardo. “Os autos foram remetidos para a Justiça Federal, onde também será dada a destinação adequada ao material”, conta Gotardo.
Afinal, para que serve o óxido de ferro? E quem está comprando?
O destino do óxido de ferro que vem sendo extraído do solo de Cristalina ainda é um mistério. A PCGO evita falar a partir de especulações da população, e os garimpeiros e empresários do setor também não fazem menção sobre os compradores do material.
“Temos informações muito superficiais [sobre quem está comprando o óxido de ferro], não dá para afirmar nada”, responde o delegado Allisson Gotardo. Ele explica que cabe à Polícia Federal tirar tais dúvidas. “Destinação, compradores e informações mais aprofundadas acerca dessa rede de compradores e sua estrutura ficarão a cargo da Polícia Federal”, declara. “Continuaremos contribuindo com o compartilhamento de dados que cheguem até a PCGO e apurando fatos que não tenham relação com o crime federal de usurpação de matéria-prima da União — no caso, o cristal e o óxido de ferro.”
O engenheiro de minas Roberto Ulisses, coordenador nacional de câmaras de engenharia de minas e geologia no DF junto ao Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), explica o que é o óxido de ferro. “É uma combinação dos elementos químicos ferro e oxigênio em proporções definidas. O óxido de ferro é o elemento básico que compõe o minério de ferro. Os minérios de ferro economicamente viáveis são a hematita, que tem cerca de 70% de ferro, e a magnetita. Existem outros que não são óxidos, mas sim hidróxidos, como a goethita e a limonita, mas que não são tão valiosos”, conta. “É normal você ter veios de quartzo no corpo de minério de ferro, e não o contrário. Normalmente o quartzo ocorre como incrustações do minério de ferro”, prossegue Roberto.
“Hoje, uma tonelada de minério de ferro com teor de 70% a 80% de ferro custa em torno de 100 dólares”, calcula Roberto.
O especialista aposta, no entanto, que, se há de fato compradores de outros estados brasileiros e até do exterior, o interesse é de fato no quartzo, e não no óxido de ferro. “Eu não acredito que estejam comprando minério de ferro, mas sim o cristal de quartzo, porque o quartzo tem maior valor econômico. O quartzo tem várias aplicações nas indústrias ótica, médica, eletroeletrônica, construção civil…”, comenta.