Ao longo dos últimos 22 anos, um homem se empenhou em transformar uma tradicional região de São Paulo. Morador da zona leste, Hélio da Silva, atualmente aos 74, já plantou mais de 40 mil árvores em um extenso terreno que estava cheio de entulho.
O Parque Linear Tiquatira fica entre os distritos da Penha e do Cangaíba. Com 3 quilômetros de extensão e 192 mil metros quadrados, a área está localizada às margens do córrego que começa nas imediações da Marginal Tietê e vai até a Avenida São Miguel.
Hélio se define como um “plantador de árvores”. “É cuidar da natureza e dessas queridas, que amenizam o calor, controlam o clima, dão sombra, dão flores, atraem pássaros e regulam tudo — de graça, sem cobrar nada da gente”, celebra.
O que era lixo virou um espaço repleto de verde e vida. Em uma breve passagem pelo local, é possível ver pessoas de todas as idades durante atividades de lazer, descanso e exercício físico.
Trajetória do plantador de árvores
Apesar de ter seguido carreira empresarial, a relação de Hélio com a natureza começou desde criança. Ele nasceu no interior paulista, em meio a uma família que plantava café. Na infância, aos 8 anos, mudou-se para a capital. Formou-se em administração e fez pós-graduação em publicidade.
Depois, tornou-se executivo de grandes empresas, com ampla visibilidade internacional, do ramo açucareiro e de alimentos orgânicos. No entanto, o paulista separa muito bem as funções. “Não sou um executivo – lá eu estava. Tem uma diferença muito grande entre estar e ser. Eu sou um plantador de árvores”, orgulha-se.
A surpreendente história de dedicação à natureza começou em 2003, quando Hélio voltou determinado de uma caminhada rotineira na Penha. “Era um lugar perigoso. Totalmente abandonado, sujo, imundo, motel a céu aberto, miniCracolândia, lixo para tudo quanto era lado”, relembra.
“Eu falei para a minha esposa: ‘vou mudar tudo isso em 10 anos’. Ela me perguntou o que eu faria. Falei que ia voltar com o que existia aqui há 150/200 anos. Era uma extensão da Mata Atlântica”, explica. “Comecei a plantar também por um tributo a tudo que São Paulo me deu: estudo, trabalho, esposa, filhos e netos. Por que não retribuir?”, questiona.
No começo, plantou 200 árvores, mas destruíram. Na tentativa seguinte, foram 400 mudas, que também depredaram. “Então, plantei 5 mil. Demorou 5 anos, tinha muito vandalismo aqui, mas viram que tinha um teimoso aqui, um cara resiliente, de atitude, e que não desanima.”
Contudo, o início foi extremamente desafiador, sem apoio do governo e sem impulso até dos entes mais próximos. “As pessoas me desestimulavam, não por maldade, mas por preocupação com a minha segurança. Falavam que era perigoso, que iria contrariar outros interesses. Passou a ser uma missão para mim”, orgulha-se.
Espécies catalogadas
Em 2008, o local foi oficialmente reconhecido pela Prefeitura de São Paulo. Atualmente, o Parque Linear Tiquatira é formado por mais de 160 espécies de árvores da Mata Atlântica, como Jequitibá, Jatobá, Aroeira, Araucária, Pau-Brasil, Guanandi e diferentes tipos de Ipê, entre outras.
O idealizador cataloga todo o processo de plantio, desde o primeiro dia, em um diário. Além disso, toda a organização foi feita de forma estratégica: a cada 12 árvores, uma é frutífera, com direito a pitanga, manga, acerola, abacate, ameixa, jabuticaba, e por aí vai.
Hélio chama o trabalho de uma “repatriação da Mata Atlântica”. Com a presença do verde, os animais também acham abrigo. Atualmente, só de pássaros há 45 espécies catalogadas. Entre eles, pica-pau, tucano e sabiá.
Aposentado desde 2022, Hélio passou a se dedicar diariamente ao cultivo das plantas. Ele compra por conta própria as mudas, que vêm de Limeira e Piracicaba, no interior.
Mesmo depois de plantar dezenas de milhares de árvores, Hélio da Silva não pretende parar. O plantador tem como intuito principal inspirar outras pessoas e dar bons exemplos, além de deixar um belo legado para as próximas gerações.
“Até o meu último olhar eu vou estar aqui, nesse lugar que eu gosto, eu amo. Embora um grão de areia, eu acho que contribuo para um mundo melhor”, avalia. “Não vou morrer nunca, vou virar árvore. Até falo para as pessoas, quando eu partir, é só olhar uma árvore que eu estarei lá.”
As 192 páginas que detalham todas as espécies presentes no parque devem virar um livro. Uma autobiografia está entre os projetos do paulista. Para ele, a ideia central é mostrar a resiliência que está no ato de plantar.