Se você está lendo este texto na sua casa ou no seu trabalho, saiba que você está cercado de minérios de terras raras. Eles estão nas telas de celulares e TVs, nos HDs dos notebooks, nas baterias dos carros elétricos, nos ímãs dos fones de ouvido, nas lâmpadas LED, nos fornos micro-ondas, nos consoles de videogame e em muitos outros aparelhos. A humanidade já não vive mais sem eles.
Mas afinal, o que são esses minérios? Trata-se de um grupo específico de 17 elementos químicos da tabela periódica, chamados de elementos de terras raras (ETRs). O grupo inclui:
– Quinze lantanídeos: lantânio (La), cério (Ce), praseodímio (Pr), neodímio (Nd), promécio (Pm), samário (Sm), európio (Eu), gadolínio (Gd), térbio (Tb), disprósio (Dy), hólmio (Ho), érbio (Er), túlio (Tm), itérbio (Yb) e lutécio (Lu);
– Dois elementos que não são lantanídeos, mas são quimicamente semelhantes: escândio (Sc) e ítrio (Y).
Apesar do nome, esses elementos químicos não são raros – muitos deles são mais abundantes na crosta terrestre do que a prata e o ouro. O termo “terras raras” surgiu no século 19 por dois motivos principais: “terra” era o nome antigo para óxidos metálicos e “raras” veio do fato de que, na época, os depósitos desses elementos eram difíceis de encontrar e isolar. O tempo passou e nós descobrimos muitos outros depósitos desses materiais, mas o nome ficou.
“Tretas” raras
Justamente porque esses minérios estão presentes em tantos componentes do cotidiano, as grandes potências mundiais estão numa corrida desenfreada para ter suas mãos neles. Um dos maiores pontos de tensão da geopolítica mundial atualmente são os chips semicondutores.
Esses chips são usados em muitas aplicações civis (celulares, computadores, carros), mas também em muitas aplicações militares (drones, mísseis, radares, satélites, etc.), e são produzidos por equipamentos de fotolitografia, uma tecnologia extremamente complexa. Os minérios de terras raras entram nessa história porque são usados na fabricação de componentes para esses equipamentos.
Portanto, para uma grande potência mundial, como os EUA, é essencial impedir que seus adversários tenham acesso irrestrito tanto aos minérios de terras raras como aos equipamentos de litografia. E é exatamente isso que eles estão tentando fazer.
Muito antes de Donald Trump subir ao poder pela segunda vez, a Casa Branca já travava uma guerra silenciosa de restrições contra a China. A empresa ASML, dos Países Baixos, é a única no mundo que produz as máquinas de litografia mais avançadas, chamadas EUV (Extreme Ultraviolet). Essas máquinas custam mais de US$ 150 milhões cada e são fundamentais para fazer chips de 3 nm ou menos — os mais rápidos e eficientes do mundo.
Pois bem, em 2023, o governo Biden passou a pressionar os Países Baixos para revogar as licenças concedidas à ASML para vender para a China. E deu certo: desde 2024, a companhia tem dificuldades para exportar para o país asiático, que era seu principal consumidor. Mas se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à montanha: a ASML anunciou este ano que pretende abrir uma fábrica em Pequim.
O lado chinês
Os EUA podem colocar pressão em todo o mercado europeu, mas quem tem a real vantagem nessa história é a China: o país é dono de entre 60% e 90% das reservas de minérios de terras raras do planeta (a porcentagem varia dependendo da fonte consultada). As maiores jazidas estão situadas em um pequeno vale arborizado nos arredores de Longnan, nas colinas da província de Jiangxi, no centro-sul da China.
Neste ano, o país endureceu suas regras de exportação desses minérios, tornando mais difícil o abastecimento da indústria global. Foi uma resposta à política agressiva das tarifas de Trump (as quais, o presidente alega, são impostas para criar empregos nos EUA). O choque já é sentido em muitas indústrias, até porque a maioria das empresas não mantém estoque desses minérios devido ao alto custo. Alguns setores, como o automotivo, estão especialmente sensíveis a essa nova realidade.
Os bloqueios à importação de chips semicondutores também não devem ser um grande problema para a China no longo prazo, já que o país tem desenvolvido suas próprias tecnologias nesse setor. Além disso, a maior fabricante de chips do mundo (e usuária das máquinas da ASML) é a TSMC, sediada em Taiwan, território que a China reclama para si. Se Xi Jinping resolver invadir ou bloquear a ilha, o fornecimento global de chips avançados correria sério risco de colapsar — e muitos analistas indicam que essa intrusão está prestes a acontecer.
Ou seja, os minérios de terras raras são um pedaço importante de um nó geopolítico muito maior, que envolve as maiores potências econômicas e militares do planeta e que afeta todos os eletrônicos da nossa era, dos celulares aos foguetes. Só nos resta ver quais serão os próximos capítulos dessa disputa.
Fonte: Revista Galileu