
Por Marcos Cardoso*
A deputada estadual Linda Brasil (Psol) voltou a procurar as autoridades policiais para denunciar as ameaças de morte que tem sofrido sistematicamente desde o primeiro ano do mandato. Em junho de 2023, as ameaças chegaram por email à Escola do Legislativo e a Assembleia acionou a Polícia Civil, que instaurou inquérito. O Gabinete de Segurança Institucional da casa colocou-se à disposição dela.
Em março do ano passado, ela recebeu email com novas ameaças e registrou a ocorrência no Centro de Operações Especiais (Cope) da SSP, além de ter comunicado o fato à Polícia Federal. Há uma semana, no último dia 12, após reiteradas intimidações, entregou um dossiê com mais de 120 mensagens de ameaças, injúrias e discursos de ódio, com teor discriminatório e violento, à Delegacia de Atendimento aos Grupos Vulneráveis (DAGV) da SSP, ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público Estadual e à Polícia Federal.

A dúvida que se impõe é: até quando a deputada terá que pedir socorro por estar sendo ameaçada de morte sem que nada de real aconteça para se punir o criminoso? Não se faz nada de concreto porque ela é uma mulher trans? E se fosse um macho? Se fosse o presidente da Assembleia ou o líder do governo a sofrer reiteradas ameaças, o agressor já teria sido descoberto?
Talvez essa seja também uma forma de transfobia. Sempre é bom repisar que o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo. Em 2023, houve 155 mortes de pessoas trans no Brasil, sendo 145 casos de assassinatos e dez que cometeram suicídio após sofrer violências ou devido à invisibilidade trans.
O número de assassinatos aumentou 10,7%, em relação a 2022, quando houve 131 casos. Os dados são na 7ª edição do Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra). Em Sergipe, não houve nenhum caso naquele ano, mas pode haver subnotificação.
Os assassinatos são quase sempre por meios cruéis. O dossiê registra tiros, facadas, espancamentos, estrangulamentos, apedrejamentos e outros. A Antra destaca a ausência de ações de enfrentamento da violência contra pessoas LGBTQIA+ por parte do Estado brasileiro e a falta de rigor nas investigações policiais de casos de transfobia.
Os dados do Atlas da Violência 2025, uma parceria entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), confirmam um aumento nos registros de casos de violência contra pessoas LGBTQIA+. De 2022 para 2023, os casos de violência contra homossexuais e bissexuais registrados no Ministério da Saúde aumentaram 35%, enquanto os casos de violência contra pessoas transexuais e travestis aumentaram em 43%.
A violência contra mulheres trans saltou de 291 casos registrados em 2014 para 2.540 em 2022 e daí para absurdos 3.524 casos de violência contra pessoas com essa identidade de gênero em 2023. Os tipos de violência registrados no sistema de saúde podem incluir violência física, psicológica/moral, tortura, sexual, tráfico de seres humanos e outras.
O substancial aumento das notificações de violência contra a população LGBTQIA+ a partir de 2020 coincide com o governo Bolsonaro.
“Não obstante, na última década, em muitos países e, em particular, no Brasil, um fenômeno sócio-político notável é a intensificação e fortalecimento dos grupos de extrema direita, que ficou conhecido como backlash. No Brasil, esse movimento político extremista se articulou em torno da chamada agenda ‘anti-ideologia de gênero’, que não só se institucionalizou durante o governo Bolsonaro, mas também após esse período, desestruturando políticas e instituições de defesa de direitos LGBTQIAPN+”, diz o Atlas da Violência 2025.
O documento observa que o Legislativo se tornou ainda mais conservador no período, intensificando o avanço de proposições legislativas LGBTfóbicas, e especialmente, antitrans.
Conforme pesquisa da FGV Direito Rio, foram produzidos mais de 60 projetos antitrans entre 2019 e 2023: 26 sobre linguagem não-binária, 11 sobre mulheres trans em esportes, 10 sobre cirurgias de transgenitalização e/ou terapia hormonal, sete sobre “ideologia de gênero”, três sobre banheiros de gênero neutro e outros quatro projetos de lei que tiveram como foco a imposição do sexo biológico dos indivíduos em documentos oficiais para fins de identificação civil, matrimônio e questões previdenciárias.
Homens formaram 78% dos parlamentares proponentes desse rol de projetos, 70% dos parlamentares proponentes eram brancos. Além disso, 80% dos parlamentares proponentes faziam parte da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional ou da Frente Parlamentar Católica Apostólica Romana, 23% deles fazia parte de ambas.
A agressão a pessoas trans é enquadrada em crime de ódio. Isso porque, diferentemente de outros crimes, neste caso a identidade de gênero é um fator determinante para a agressão. O objetivo é atacar a minoria social, não apenas a pessoa em si. Além disso, em 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu que atos de homofobia e transfobia podem ser equiparados, perante a lei, ao crime de racismo e, dessa forma, devem ser punidos seguindo essa determinação.
Mas de onde vem tanto ódio? A psicologia social ensina que o ódio está relacionado ao pavor do diferente, um comportamento belicoso que é ensinado, tem raízes culturais. O tratamento de choque para esses casos é muita educação. Mas enquanto isso não acontece, espera-se que a polícia e a Justiça façam a sua parte.
*Marcos Cardoso é jornalista. Autor, dentre outros livros, de “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” (Editora UFS, 2008), do romance “O Anofelino Solerte” (Edise, 2018) e de “Impressões da Ditadura” (Editora UFS, 2024).
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