O vereador Toninho Vêspoli, líder do PSol na Câmara Municipal de São Paulo, enviou ofícios nesta terça-feira (20/5) ao Ministério Público (MPSP) e ao Tribunal de Contas do Município (TCM) pedindo providências em relação a suspeitas nos contratos para fornecimento de marmitas do programa municipal Cozinha Escola.
O programa é tocado pela Secretaria Executiva de Segurança Alimentar (Sesana), ficou nos holofotes após o vice-prefeito, Mello Araújo, demitir o então titular da pasta e outros dois servidores “a bem do serviço público”. As exonerações ocorreram enquanto o prefeito Ricardo Nunes (MDB) estava em viagem oficial para China e Japão.
Os pedidos de vistoria do TCM e de investigação do MPSP feitos por Vêspoli ocorrem após o Metrópoles mostrar que algumas entidades contratadas para o fornecimento de refeições por meio do programa Cozinha Escola estão descumprindo o mínimo exigido pelos contratos, conforme atesta fiscalização feita pela própria prefeitura.
“O programa, que conta com 65 unidades espalhadas pela cidade, possui um orçamento anual de R$ 2,6 milhões por unidade, destinado à produção e distribuição de, no mínimo, 400 refeições diárias, de segunda a sábado. Contudo, de acordo com as notícias divulgadas no site Metrópoles, algumas associações estão descumprindo o termo de colaboração a qual se credenciaram”, escreveu o vereador nos ofícios.
Distribuição de refeições
A reportagem investigou a distribuição de alimentos e obteve documentos que revelam que parte das ONGs escolhidas para fornecer almoço gratuito não entrega o mínimo exigido de 400 refeições.
Em nota, a Sesana informou que não há qualquer indício de falta de atendimento à população em vulnerabilidade pelo Rede Cozinha Escola.
“Em dias com número menor de pessoas em situação de vulnerabilidade, a administração atende a todos que ali estão. Assim como distribui comida além da quantidade mínima quando a procura é maior”, informou a pasta.
A reportagem localizou relatos de vistorias a ao menos oito unidades em que fiscais da prefeitura foram em um dia aleatório para contar as marmitas entregues e acharam quantidades abaixo do exigido. Uma delas é a Associação Amigos da Família (foto em destaque), na Vila Chuca, bairro simples na região de Itaquera, na zona leste.
Em janeiro, a associação fez uma autodeclaração, alegando que entregava 800 marmitas, o dobro do exigido. No dia 7 de abril, porém, um fiscal da prefeitura foi até o local e, além de constatar o uso de alimentos ultraprocessados, o que não é recomendado, “observou-se que não foram entregues as 400 refeições diárias obrigatórias”.
Na verdade, foram entregues 152 refeições a menos que o previsto, valor que acabou sendo cobrado do contrato. A equipe do Metrópoles compareceu ao local no dia 13 de maio e verificou que, novamente, a quantia mínima exigida não foi entregue. Durante o período, a reportagem contou a entrega de 215 refeições, levando em consideração adultos, idosos e crianças que entraram na fila, além de pessoas que repetiram o prato.
O programa Cozinha Escola foi uma das vitrines do prefeito Ricardo Nunes na campanha eleitoral. Carlos Fernandes, o secretário demitido, prometeu expandir o programa se fosse eleito vereador, o que não conseguiu.
Além da quantidade de refeições entregues, a reportagem mostrou que, em um cálculo do valor unitário, cada refeição sairia por pouco mais de R$ 21, valor que supera até o de pratos feitos, os famosos PFs, vendidos por restaurantes mais populares.
O valor também é mais que o dobro do custo unitário do programa estadual Bom Prato (R$ 9,30). A prefeitura argumenta que o contrato também inclui a realização de cursos e a contratação de funcionários e, por isso, não é possível comparar os valores com o Bom Prato.
O que dizem os envolvidos
Sobre as refeições do Cozinha Escolha, a Secretaria de Direitos Humanos, à qual a Sesana é subordinada, afirmou que “a denúncia será devidamente apurada e, caso sejam constatadas irregularidades, sanções cabíveis serão aplicadas, conforme previsto no edital de credenciamento do programa, que incluem desde advertência até rescisão do contrato”.
A pasta ainda afirmou que “não compactua com qualquer tipo de desvio de conduta por parte de servidores ou entidades parceiras”.
Posteriormente, a gestão enviou uma nova nota, mais detalhada. A resposta afirma não haver qualquer indício de falta de atendimento à população. “Nos casos citados pela reportagem, havia disponibilidade da quantidade mínima de refeições previstas em contrato, nunca faltando alimentação para quem procura o serviço. Não há qualquer indício de que faltou refeição”, disse.
“Em dias com número menor de pessoas em situação de vulnerabilidade, a administração atende a todos que ali estão. Assim como distribui comida além da quantidade mínima quando a procura é maior. O programa assegura a oferta gratuita de 26 mil refeições diárias, entre marmitas e buffet, e todas as pessoas que buscam o serviço são atendidas”, afirmou a pasta.
A gestão Nunes informou ainda que o serviço é fiscalizado “com rigor e de forma proativa pela prefeitura, por meio da análise de prestações de contas entregues pelas organizações sociais e visitas trimestrais de agentes municipais aos locais de fornecimento das refeições”.
“Em casos de inconformidade, o monitoramento é intensificado e sanções são adotadas, como os próprios relatórios mencionados pela reportagem registram, ao relatar advertências e glosa de valores”, diz a nota.
A reportagem procurou a Associação Amigos da Família, mas não obteve retorno. Em relatórios enviados à prefeitura, a entidade lista uma série de atividades que desenvolve, além da entrega de marmitas, como cursos de culinária e jiu-jitsu.
Questionado sobre as suspeitas relativas aos banheiros químicos, Ricardo Nunes afirmou que orientou Mello Araújo a levar a denúncia à Controladoria-Geral do Município, mas disse que as acusações devem ter “cautela” e precisam ser apuradas.
“Ele comentou comigo que havia recebido alguma coisa com relação ao banheiro. Eu pedi para ele procurar o controlador-geral e apresentar as provas que ele havia recebido. Pedi para ele para ter cautela, porque denúncia é um negócio complicado. É a vida de uma pessoa, de uma família. Tem que tomar bastante cautela, evidentemente apurar com rigor”, disse Nunes em entrevista à Revista Oeste.
Em nota, o advogado da empresa de banheiros químicos Pilar Ecotec Ambiental, Danilo Gustavo Pereira de Abreu, alegou que o fornecimento da cabine sanitária tipo PNE “sempre foi entregue conforme contrato e fiscalização” e enviou fotos de banheiros que teriam sido entregues em feiras na última sexta-feira (16/5).
“Quanto ao processo de contratação, o mesmo ocorreu integralmente de acordo com a legislação, em processo licitatório, em pregão eletrônico”, afirmou. Disse, ainda, que a Pilar “refuta alegações vazias e genéricas”.
Já o ex-secretário Carlos Fernandes afirmou que a Rede Cozinha Escola já distribuiu 11 milhões de refeições e foi premiado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) e pela União das Cidades Capitais Ibero-Americanas.
De acordo com ele, a Sesana, da qual foi titular, tinha função de treinar as pessoas contratadas na comunidade e disponibilizar o acompanhamento por nutricionistas. Já a fiscalização era função da Secretaria de Direitos Humanos. “Nem a Sesana nem eu tínhamos qualquer ingerência sobre isso”, afirmou.
Ele também afirmou que o valor da refeição foi definido em edital anterior à sua chegada ao posto e que não teve nada a ver com os valores do contrato com as associações. Ele também contestou a comparação da reportagem com pratos feitos, citando que o valor do edital “contempla também a remuneração de nove celetistas selecionados dentro de cada comunidade, a reforma, higiene e manutenção do local onde são feitas as refeições e a distribuição de marmitas para pessoas que, por motivo de saúde, não têm condições de se deslocar”.
Fernandes afirmou que a entidade visitada pelo Metrópoles “foi autuada em abril de 2025, por não estar entregando a quantidade mínima de refeições e pela distribuição de alimentos ultraprocessados”.
Por fim, ele afirmou que se afastou da secretaria em abril de 2024 para se candidatar a vereador e só retornou ao cargo em março deste ano. “Portanto, estive fora da Sesana por um ano e não tive qualquer ingerência sobre a secretaria durante o período em que me ausentei.”