Sem salário e sob pressão, funcionários da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares (Conafer), apontada como uma das principais entidades ligadas à farra do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – escândalo revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023 (saiba mais abaixo) – continuam refém da irregularidade.
À coluna, trabalhadores da associação, que preferiram manter suas identidades em sigilo, por medo de represálias, denunciaram que os valores referentes ao mês de maio não foram depositados.
Em um comunicado enviado pelo setor de Recursos Humanos da Conafer, a empresa afirma que passa por um “Momento desafiador” e pede compreensão aos trabalhadores revoltados pela falta do pagamento.
“Como é de conhecimento de todos que estão acompanhando pelos meios de comunicação, as atividades da associação estão sendo objeto de investigação. Dessa forma, por determinação da Justiça Federal de Brasília, todos os ativos da Conafer, incluindo os financeiros, foram bloqueados e se encontram indisponíveis”, escreveu.
Em outra parte da nota, o RH pediu “a compreensão de todos neste momento desafiador, mas estamos trabalhando arduamente para regularizar essa situação”, completou.
Apesar da falta de pagamentos, os funcionários afirmam que estão sendo orientados a continuar cumprindo o expediente, presencialmente. “Eram 250 funcionários, mas vários já pediram demissão pela falta de pagamento”, relatou.
Segundo o colaborador, alguns funcionários, sobretudo grandes gestores, estão tomando partido e defendendo o presidente Carlos Roberto Lopes como tentativa de receber. “Aqueles que têm cargos mais altos e ficaram do lado dele receberam uma parcela do salário, mas os demais não receberam nada.”
A revolta dos denunciantes se dá, especialmente porque, segundo eles, a empresa teria dito que não demitirá ninguém. “Agora, ficamos de mãos atadas, sem receber o salário e tendo que continuar ali, porque se nós nos demitirmos, perderemos nossos direitos”, lamentou.
Filiações involuntárias
Na semana passada, a coluna recebeu denúncias que revelaram a injustiça vivida pelos funcionários. Em entrevista, o denunciante contou, também em anonimato, que em 8 de janeiro deste ano, a associação emitiu um comunicado anunciando que, a partir daquela data, todos os colaboradores passariam a ser filiados à entidade, tendo acesso aos benefícios, projetos e ações disponibilizados.
O mesmo documento informava que, para ter acesso às supostas regalias, os funcionários teriam de desembolsar, mensalmente, 2,8% do salário mínimo vigente – o que, naquele mês, equivalia a cerca de R$ 39,54.
Segundo a Conafer, a finalidade da contribuição seria “reforçar o financiamento de projetos, campanhas e doações que beneficiam diretamente agricultores familiares e empreendedores rurais em todo o país”.
Revoltado, o denunciante relatou que mesmo aqueles que se posicionaram contra a inscrição no cadastro de associados tiveram os valores descontados nos contracheques de seus salários.
No documento que anunciou a filiação coletiva, consta a assinatura do presidente da entidade, Carlos Roberto Ferreira Lopes. Inconformados com a impossibilidade de impedir os descontos, alguns trabalhadores se uniram para denunciar o caso, anonimamente, ao Ministério Público do Trabalho (MPT).
O núcleo da farra
Conforme a coluna revelou, em 2021, um Procedimento Investigatório Criminal do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios já alertava para um desvio sistemático de recursos públicos.
Naquele ano, a Conafer saltou de 42 mil para mais de 279 mil filiados. O crescimento coincidiu com o auge da pandemia e com a redução no atendimento presencial do INSS, cenário que favoreceu a aplicação do golpe.
Milhares de aposentados e pensionistas descobriram os descontos apenas meses depois. Alguns, com benefícios próximos ao salário mínimo, tiveram até R$ 77 abatidos por mês.
O esquema
O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023. Três meses depois, o portal mostrou que a arrecadação das entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto as associações respondiam a milhares de processos por fraude na filiação de segurados.
As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela PF e abasteceram as apurações da Controladoria-Geral da União (CGU). Ao todo, 38 matérias do portal foram listadas pela PF na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada em 23 de abril e que culminou nas demissões do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.
A coluna procurou a Conafer e o Ministério Público do Trabalho (MPT), mas, até o momento, não houve retorno.