Rio de Janeiro – O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) entrou com recurso nesta sexta-feira (23 de maio) contra a sentença da 6ª Vara de Fazenda Pública, que liberou a construção de um shopping center no Parque do Jardim de Alah, um dos últimos respiros verdes entre Ipanema e Leblon. O espaço, tombado desde 2001, corre o risco de virar um centro comercial com 58 lojas e 228 vagas de estacionamento, à revelia de normas ambientais e patrimoniais.
O recurso apresentado pela 1ª Promotoria de Justiça de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural da Capital pede efeito suspensivo imediato e contesta a validade do julgamento, apontando ausência de provas técnicas e nulidades processuais. O MP quer que os réus entreguem, em até cinco dias, documentos como os projetos finais da obra e a ata da reunião que supostamente autorizou o empreendimento.
Além disso, solicita uma perícia ambiental e cultural urgente. Se a sentença não for anulada, o pedido é que ela ao menos seja reformada, barrando o projeto e responsabilizando seus autores pelas irregularidades.
Shopping sobre patrimônio: um projeto que desrespeita o Rio
O plano do consórcio Rio Mais Verde – nome que por si só já escancara o cinismo da proposta – inclui a descaracterização completa do Jardim de Alah, com impermeabilização de áreas verdes e destruição do projeto paisagístico original. De acordo com laudo do GATE Ambiental, a proposta transforma o parque em um shopping horizontal disfarçado de requalificação urbana.
A construção ignora que o Jardim, criado em 1938, é um bem tombado pelo Decreto Municipal nº 20.300/2001, com 93 mil m² de relevância ambiental e cultural. O parque conecta a Lagoa Rodrigo de Freitas à orla e está em área sensível, localizada simultaneamente nas APACs de Ipanema e do Leblon, e no entorno de outros bens tombados. Nada disso parece importar para quem só enxerga valor onde cabe uma escada rolante.
Sentença afronta a lei e falsifica a paisagem
A decisão judicial que liberou o shopping desconsidera normas ambientais, atropela o tombamento municipal e ainda erra feio ao afirmar que a Praça Grécia, parte da área afetada, “não mais existe”. Um detalhe: ela existe sim, como comprovou o próprio laudo do GATE.
Além disso, o juiz contrariou a Súmula 613 do STJ, que proíbe usar como justificativa para novas intervenções o argumento de que o bem tombado já foi parcialmente danificado. É como dizer que já que quebraram uma janela, está liberado demolir a casa toda.
Um pacto obscuro entre mercado e poder público?
O MPRJ alerta que os órgãos municipais aprovaram o projeto sem exigir o projeto final completo no processo – o que fere o princípio do contraditório e impede uma avaliação técnica adequada. O shopping foi aprovado às pressas, sob o pretexto de uma suposta “revitalização urbana”, mas esconde um claro interesse: privatizar o espaço público em uma das áreas mais valorizadas do país.
O consórcio Rio Mais Verde, longe de ser solução verde, representa a velha lógica de transformar parques em praças de alimentação. A cidade perde patrimônio, área verde, permeabilidade do solo e ganha… um shopping. Como se o que faltasse entre o Leblon e Ipanema fosse consumo.
O Carioca esclarece
Por que o MP quer barrar a obra no Jardim de Alah?
Porque o projeto fere leis de proteção ambiental e patrimonial, além de ter sido aprovado sem a apresentação completa dos documentos exigidos por lei.
O Jardim de Alah é realmente tombado?
Sim. Foi criado em 1938 e tombado pelo município em 2001, por sua relevância histórica, ambiental e cultural.
Quais as consequências da construção do shopping?
Destruição do espaço ajardinado original, impermeabilização do solo, descaracterização de bens protegidos e risco ambiental às margens do canal.
Como isso afeta a cidade?
Além do prejuízo ambiental e histórico, o caso escancara a submissão do espaço público ao interesse privado, algo recorrente nas grandes cidades brasileiras.