Brasília – As entranhas do bolsonarismo seguem expelindo pus. Em julho de 2022, Eduardo Cunha, símbolo-mor da corrupção institucionalizada no Congresso, acionou o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, para garantir uma ajudinha nada republicana: que o governo não recorresse de uma decisão que tornava o ex-deputado elegível novamente.
O pedido foi direto. Cunha queria que a Advocacia-Geral da União (AGU) cruzasse os braços diante de uma sentença que anulava sua cassação de 2016, ocorrida após ele mentir descaradamente à CPI da Petrobras. O objetivo? Viabilizar sua candidatura às eleições de 2022, mesmo sendo um dos maiores personagens da lama política que afundou o país.
As mensagens, trocadas pelo WhatsApp, vieram à tona graças ao conteúdo extraído do celular de Mauro Cid, apreendido em maio de 2023 e mantido sob sigilo até agora. O UOL teve acesso exclusivo às conversas, que expõem mais um capítulo da promíscua relação entre o bolsonarismo e figuras da velha política.
Bolsonaro sabia — e ficou calado
Na conversa, Cunha não faz rodeios: pede que Cid leve seu recado a Bolsonaro, tentando evitar que a AGU atrapalhasse sua ressurreição eleitoral. O temor era de que um recurso da União revertesse a decisão do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), que havia limpado sua ficha suja.
Cid, sempre prestativo, responde que entendeu o pedido — mas, depois disso, o assunto evapora das mensagens. Nenhum sinal claro de que Bolsonaro tenha dado a ordem, mas o efeito foi o desejado: a AGU não recorreu.
Quem recorreu, isoladamente, foi o Ministério Público Federal. Mesmo assim, o tribunal manteve a decisão favorável a Cunha, que acabou liberado para disputar o pleito. Não se elegeu: tentou uma vaga na Câmara por São Paulo e amargou 5.044 votos, uma quantidade pífia para quem já presidiu a Casa.
Cunha: o retorno frustrado
A estratégia para retornar ao Congresso pode ter envolvido o núcleo duro do bolsonarismo, mas o povo não comprou a ideia. A derrota nas urnas foi um vexame, ainda que tenha revelado algo mais grave: a proximidade de figuras condenadas com o centro de decisões do Executivo.
Mesmo com a AGU silenciosa, o caso nunca chegou a escandalizar como deveria. Talvez porque, no governo Bolsonaro, articulações subterrâneas, desprezo à legalidade e blindagem mútua fossem práticas corriqueiras.
Procurado pelo UOL, Cunha fez o de sempre: disse desconhecer o diálogo, como se a digital dele não estivesse cravada nas entranhas do bolsonarismo. O conteúdo, porém, é claro: um ex-deputado cassado tentando influenciar um presidente da República via seu assessor militar. Com naturalidade.

Da Lava Jato ao bolsonarismo: o ciclo da impunidade
A história também revela a fusão entre os escombros da velha política fisiológica e a retórica moralista do bolsonarismo. Cunha, que foi peça-chave no impeachment de Dilma Rousseff, virou símbolo da hipocrisia institucionalizada: combatido em discursos, abraçado nos bastidores.
A cassação de Cunha em 2016, por quebra de decoro, foi emblemática. Ele havia mentido sobre a existência de contas no exterior, o que o enquadrava na Lei da Ficha Limpa. Mas bastou uma decisão judicial e uma omissão calculada do governo para que tudo voltasse à estaca zero.
Bolsonaro, que se elegeu com discurso anticorrupção, virou aliado silencioso de um dos maiores corruptos do país.
O Carioca esclarece
Quem são os envolvidos no caso revelado pelo celular de Mauro Cid?
O ex-deputado federal Eduardo Cunha, o tenente-coronel Mauro Cid (ajudante de ordens de Jair Bolsonaro) e o próprio ex-presidente são os protagonistas do lobby para garantir a candidatura de Cunha em 2022.
O que Eduardo Cunha queria de Bolsonaro?
Que a AGU não recorresse de uma decisão judicial que o tornava elegível, abrindo caminho para sua volta à política.
Por que a atitude de Bolsonaro é grave, mesmo sem resposta direta?
A omissão da AGU indica que o governo pode ter atuado para proteger Cunha, ex-aliado envolvido em escândalos de corrupção, enfraquecendo o combate à impunidade.
Como esse episódio afeta a democracia?
Mostra como o poder público foi utilizado para atender interesses pessoais e políticos, corroendo a confiança nas instituições e nas regras eleitorais.
Com informações do UOL