Grande Rio nega veto evangélico de Virgínia no enredo

Duque de Caxias – A escolha da influenciadora Virgínia Fonseca como nova rainha de bateria da Grande Rio não desfilou sem tropeços. Menos de uma semana após ser anunciada no cargo que pertencia à atriz Paolla Oliveira, a empresária evangélica viu seu nome colado a um rumor incômodo: teria imposto à escola de samba a condição de não abordar religiões de matriz africana em seu próximo enredo.

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A informação circulou nas redes como pólvora em barracão: uma suposta exigência vinda diretamente da nova musa para apagar da avenida as tradições afro-brasileiras — justamente o berço cultural de onde o samba nasceu.

Diante da repercussão, a Grande Rio correu para se pronunciar. Em nota enviada à Veja, a escola negou categoricamente a veracidade da história. “Isso é uma história que inventaram. Não procede”, declarou a assessoria de imprensa da agremiação, tentando estancar a sangria antes que ela respingue na avenida.


Rejeição popular nas redes

Apesar do desmentido oficial, o estrago já estava feito. Nos comentários do post em que Virgínia aparece em visita à quadra da escola, o clima era de rejeição generalizada. “Não tem ninguém te dando carinho aqui, ninguém te quer”, disparou um seguidor. “O carisma de uma porta”, debochou outro.

A reação expõe um conflito entre o universo do samba, profundamente ligado às religiões afro-brasileiras, e a tentativa de aproximação de uma figura do mainstream digital com perfil nitidamente alheio — e, segundo críticos, até hostil — a essa tradição.

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Carnaval e disputa de narrativas

A Grande Rio é conhecida por seus enredos afrocentrados, como o antológico “Fala, Majeté!” (2022), que reverenciou Exu e rendeu o título à escola após décadas de tentativas. O desfile foi saudado como um marco de afirmação cultural e religiosa frente à onda conservadora que assombra o país.

Não é à toa que a presença de Virgínia Fonseca, símbolo de um evangelicalismo pop e nada discreto, soou para muitos como uma contradição — ou pior, como uma tentativa de higienização da narrativa carnavalesca.

A suspeita de veto ao conteúdo religioso não caiu do céu: evangélicos de viés fundamentalista costumam hostilizar abertamente as religiões de matriz africana, muitas vezes classificadas como “macumba” ou “coisa do diabo”. A preocupação de parte do público é que essa lógica esteja agora infiltrando o carnaval.


Entre Paolla e as bets

A saída de Paolla Oliveira, que por anos reinou com carisma e identificação orgânica com o universo do samba, deu espaço a uma figura ligada ao universo do marketing digital — e, recentemente, ao submundo das apostas. Virgínia prestou depoimento na CPI das Bets após ser acusada de promover casas de apostas online em conteúdos voltados ao público infantil.

Ou seja, não bastasse a polêmica religiosa, a nova rainha já chega cercada de questões éticas e simbólicas. Enquanto isso, a escola tenta manter a imagem ilesa, mesmo com os bastidores fervendo.


Quem censura quem?

Mesmo sem provas materiais da tal “exigência”, o fato de a discussão viralizar escancara a tensão crescente entre religião e cultura popular. O carnaval sempre foi trincheira de resistência simbólica, um espaço onde se canta o que se cala no resto do ano.

Se figuras midiáticas com agenda conservadora começam a ocupar esse espaço, o risco não é apenas de um enredo pasteurizado, mas de uma cultura amputada — onde se dança o samba, mas se cala o Candomblé.


O Carioca esclarece

Quem é Virgínia Fonseca e por que sua presença gerou polêmica?
Influencer de alcance massivo, Virgínia é evangélica e já esteve envolvida em escândalos como o das apostas ilegais. Sua imagem contrasta com os valores históricos do samba.

A Grande Rio proibiu enredo com temática afro-religiosa?
Segundo a escola, não. A agremiação afirma que os boatos são infundados e que nenhuma exigência foi feita por parte da nova rainha.

Quais as consequências simbólicas dessa escolha para o carnaval?
A troca de uma rainha popular por uma figura alheia à tradição pode gerar distanciamento do público e esvaziamento do enredo como ferramenta de crítica e resistência.

Como isso afeta a democracia cultural?
Ao permitir que interesses comerciais e religiosos moldem enredos, abre-se espaço para censura velada e apagamento de tradições negras e periféricas.

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