Musical sobre Djavan encena o Brasil profundo

Brasília – O Brasil que Djavan canta agora também se encena.

Em junho, estreia no Teatro Multiplan, no Rio, o musical de Djavan, uma montagem ambiciosa que faz da vida e obra do cantor alagoano uma jornada cênica de duas horas atravessada por ritmos afro-brasileiros, memórias afetivas e resistência política. Intitulada “Djavan – O Musical: Vidas pra contar”, a produção não economiza no repertório nem na simbologia: retrata o menino de Maceió que virou gênio da música brasileira com liberdade estética, precisão emocional e força coletiva.

A escolha do protagonista diz tudo

Se a trajetória de Djavan foi construída à margem do centro — como negro nordestino que se fez ouvir com poesia e melodia —, o protagonista do espetáculo não poderia destoar. Raphael Elias, mineiro de Divinópolis, foi escolhido entre mais de 250 candidatos para dar vida ao artista em suas diversas fases. Jovem, negro e vindo da periferia, Raphael é o próprio reflexo da história que interpreta: um corpo insistente no palco, um grito de pertencimento.

A seleção, como explica o diretor João Fonseca, carrega um peso que não é só estético: “Falar de um artista negro, nordestino e vivo é uma responsabilidade imensa. A montagem tem liberdade cênica, mas também zelo com cada sotaque, cada nota, cada silêncio”.

Homenagem viva, não santificada

Esqueça o culto vazio à celebridade. O musical de Djavan é menos altar, mais espelho. Em cena, não há apenas o ícone do jazz tropical ou o hitmaker de trilhas de novela — mas o filho de Dona Virgínia, o irmão de Djanira e Djacir, o companheiro de Aparecida. Interpretados por um elenco versátil, esses personagens ocupam a narrativa com densidade e humanidade.

Marcela Rodrigues, Ester Freitas, Alexandre Mitre e Eline Porto compõem esse núcleo íntimo. Ao lado deles, surgem lendas como Maria Bethânia (Aline Deluna), Chico Buarque (Gab Lara), Gal Costa (Walerie Gondim) e Caetano Veloso (Tom Karabachian), além de Elegbara, entidade afro-brasileira que costura o fio mítico da narrativa, vivido por Milton Filho.

Uma trilha que dança entre mundos

O espetáculo costura hits consagrados e pérolas menos conhecidas para traçar a geografia emocional de Djavan. A direção musical é assinada por João Viana (filho do artista) e Fernando Nunes, que apostam em arranjos respeitosos, mas não engessados. A ideia é pulsar, não mumificar.

A cenografia se alimenta da estética djavanesca: cores quentes, luz em movimento e figurinos que atravessam o tempo com elegância e propósito. A coreografia, sutil mas incisiva, acompanha a fluidez dos gêneros que o artista soube misturar como ninguém — samba, jazz, soul, pop e ancestralidade.

Um Brasil possível — ainda que improvável

A vida de Djavan é mais do que biografia. É denúncia e reinvenção. Ao teatralizar sua trajetória, o musical escancara uma história de resiliência negra, arte marginalizada e força nordestina. E faz isso sem panfletarismo, mas com emoção política. “A gente está bebendo da fonte da beleza, mas também da luta”, resume o produtor Gustavo Nunes.

Djavan, afinal, é quem disse que “se a canção me diz que a vida é boa, eu canto o amor, a dor, a flor, a fé e a rua”. O palco agora responde com imagem e som: o Brasil profundo existe, resiste e canta.


O Carioca esclarece

Quem é Raphael Elias, protagonista do musical?
Ator mineiro, negro, de 30 anos, que venceu um processo seletivo com mais de 250 candidatos para interpretar Djavan.

Por que a vida de Djavan merece um musical?
Por ser uma das trajetórias mais singulares e simbólicas da música brasileira — marcada por talento, superação e inovação estética.

Quais as consequências culturais da montagem?
O espetáculo amplia o acesso à biografia de um artista negro nordestino, reafirmando sua relevância histórica e estética nos palcos.

Como o musical de Djavan afeta a cena teatral brasileira?
Fortalece a produção de musicais biográficos não brancos, descentraliza narrativas e reequilibra os holofotes do teatro nacional.

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