Sozinha na formatura, Isadora escancara o abandono universitário

Lavras (MG) – Enquanto o governo flerta com cortes na educação e o desmonte das universidades públicas avança a passos largos, Isadora Rezende, de 21 anos, protagonizou uma cena rara — e simbólica — na Universidade Federal de Lavras (UFLA): vestida de beca, foi a única aluna a se formar em sua turma, concluindo no tempo mínimo o curso de Inovação, Ciência e Tecnologia.

Sozinha no palco e no sistema

Com direito a juramento, discurso, honras acadêmicas e arremesso de capelo, a cerimônia organizada só para Isadora parece mais uma distopia do que uma celebração. E é mesmo: das dezenas de estudantes que iniciaram o curso, apenas ela cruzou a linha de chegada em três anos — sem DP, sem pausa, sem desistência.

“Foi um evento feito só para mim”, disse, com ironia afiada, ao lembrar o dia em que discursou para uma plateia sem colegas, mas com mais de 100 registros em fotos e vídeos — como num “book” institucional de resistência acadêmica.

O que a universidade não entrega

O curso de bacharelado da UFLA é dividido em dois ciclos: três anos básicos, comuns às engenharias, e mais dois de especialização. No primeiro ciclo, é onde a maioria dos alunos trava. A evasão fala alto. O desinteresse, mais ainda. Mas o que grita é o abandono estrutural: salas esvaziadas, professores sobrecarregados, falta de bolsas, cortes orçamentários e sucateamento da permanência estudantil.

Enquanto isso, o governo federal posa de amigo das universidades. A realidade, no entanto, é o retrocesso planejado: menos verba, mais burocracia, professores sem reajuste e alunos largados à própria sorte. Isadora virou exceção porque o sistema foi feito para desestimular a regra.

Persistência, foco e isolamento

Isadora não tem fórmula mágica. Mas teve algo que muitos não conseguem manter em meio ao caos: foco, saúde mental, apoio familiar e paixão pelo que faz. E, talvez o mais curioso: “Cursar matérias sozinha acabou me ajudando”, diz. A solidão forçada virou vantagem. Com menos ruído na sala, teve mais atenção dos professores, mais tempo para aprofundar dúvidas e um ambiente quase particular de aprendizado.

“Falei sobre não desistir dos nossos sonhos, porque a educação abre portas e nos dá asas para voar. Mesmo que sozinha”, disse, emocionada. O recado, claro, não era só para os pais — era para um país que abandona seus estudantes antes mesmo da colação.

E no próximo ciclo? Isadora sozinha de novo

Agora, ela inicia o segundo ciclo — a especialização em Engenharia de Produção — novamente sozinha na matrícula. A cena se repete: uma jovem dentro de um campus onde os corredores estão mais vazios que as promessas de valorização da ciência.

Determinação? Tem de sobra. Apoio? Falta quase tudo. Mas ela segue. Não por heroísmo, mas porque não desistir é, hoje, um ato político dentro das universidades públicas.

No país onde a extrema-direita odeia livros e teme pensamento crítico, a imagem de uma estudante de beca, sozinha no palco, é mais subversiva do que qualquer discurso de ministro.


O Carioca esclarece

Quem é Isadora Rezende?
É uma estudante de 21 anos da Universidade Federal de Lavras, única a concluir no tempo mínimo o curso de Inovação, Ciência e Tecnologia.

Por que ela se formou sozinha?
Todos os colegas abandonaram ou atrasaram o curso. Ela concluiu em três anos, sem reprovações, em um sistema que não garante apoio ou permanência.

Quais as consequências dessa evasão universitária?
A evasão em cursos de engenharia e ciência indica falhas estruturais no ensino público: desestímulo, cortes de verba e políticas de exclusão silenciosa.

Como isso afeta o futuro da educação pública?
A formação solitária de Isadora é um sintoma grave do desmonte universitário: menos formandos, menos inovação, menos futuro para o país.

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