ABUJA, Nigéria – 8 de junho de 2025
A Nigéria concentrou 29% de todas as mortes maternas do mundo em 2023, segundo a BBC, consolidando-se como o pior lugar do planeta para dar à luz. Com 75 mil mulheres mortas por complicações no parto apenas no último ano, o país africano registra uma tragédia silenciosa que atinge uma grávida a cada sete minutos. O dado escancara o colapso dos sistemas público e comunitário de saúde, agravado por políticas negligentes, ausência de profissionais e forte resistência cultural à medicina moderna.
Sistema de saúde à beira do colapso
A situação é crítica desde a base: hospitais públicos operam com infraestrutura precária, falta de insumos e escassez de médicos especializados. Profissionais de saúde denunciam a ausência de materiais básicos, como luvas, antibióticos e incubadoras. Em diversas unidades, não há sequer energia elétrica confiável para manter equipamentos vitais funcionando.
A jovem Jamila Ishaq, grávida do quinto filho, teve de dar à luz em casa depois de percorrer um hospital sem encontrar qualquer profissional de plantão. “Sinceramente, não confio nos hospitais. Ouvi muitas histórias de mortes evitáveis. Muitas mulheres não voltam para casa”, relatou ao Diário Carioca.
Segundo dados da Unicef, os estados mais afetados concentram a maior parte das comunidades rurais e são os que recebem menos repasses federais. A má gestão dos governos locais aprofunda o caos, ampliando desigualdades e impedindo qualquer padronização mínima nos atendimentos.
Ignorância como fator de risco
Além do colapso estrutural, a rejeição ao atendimento médico institucionalizado se tornou um obstáculo letal. Em regiões inteiras, a crença de que “ir ao hospital é perda de tempo” impede grávidas de procurarem ajuda qualificada. Muitas recorrem a remédios tradicionais ou parteiras locais despreparadas, o que leva à demora em identificar complicações fatais como hemorragias, hipertensão ou obstruções no parto.
Para Mabel Onwuemena, coordenadora da Women of Purpose Development Foundation, o problema está na falta de educação formal e sexual. “Não é só acesso. É mentalidade. Sem educação, a mulher nem sabe que corre risco. Muitas vezes, só procuram ajuda quando já é tarde demais”.
Governo falha em cumprir promessas
Apesar de compromissos assumidos internacionalmente, o governo da Nigéria destina apenas 5% do seu orçamento nacional à saúde, menos de um terço da meta de 15% pactuada na Declaração de Abuja. Em vez de fortalecer as redes de atendimento básico, as políticas públicas têm favorecido obras grandiosas e investimentos em setores militares e de infraestrutura.
Em novembro de 2024, o presidente nigeriano lançou a Iniciativa Mamii, que prometia reduzir as mortes em 172 regiões prioritárias. A medida foi aclamada como solução emergencial, mas até agora os resultados não se concretizaram. Segundo Martin Dohlsten, representante da Unicef no país, o projeto precisa de “financiamento sustentado, execução realista e monitoramento contínuo”, o que está longe de ser garantido.
Na prática, a Iniciativa Mamii tem operado com equipes reduzidas, pouca adesão dos estados e sem diretrizes nacionais claras para o acompanhamento dos indicadores.
Mortes evitáveis, omissões imperdoáveis
As principais causas das mortes — hemorragias pós-parto, pré-eclâmpsia, obstruções e abortos inseguros — são amplamente tratáveis em países com sistemas de saúde minimamente funcionais. A mortalidade nigeriana representa, portanto, um fracasso ético e político, não apenas técnico.
A Nigéria não está sozinha. Países como Chade, Sudão do Sul, Libéria, República Centro-Africana, Somália, Afeganistão, Benim e Guiné-Bissau também enfrentam números alarmantes. Mas a Nigéria, com mais de 200 milhões de habitantes, representa o epicentro do colapso global da saúde reprodutiva.
O Carioca Esclarece
Por que a Nigéria tem o maior índice de mortes maternas do mundo?
A combinação de sistema de saúde colapsado, resistência cultural à medicina moderna, baixíssimo investimento público e ausência de políticas educacionais eficazes cria um ambiente onde complicações tratáveis levam à morte em poucas horas.
O aborto inseguro contribui para esses números?
Sim. Devido à legislação restritiva e à estigmatização, muitas mulheres optam por abortos clandestinos, frequentemente realizados sem higiene ou acompanhamento médico. As hemorragias causadas por esses procedimentos estão entre as principais causas de morte materna.
A situação pode ser revertida?
Com vontade política, sim. A mortalidade materna caiu drasticamente em países como Ruanda e Etiópia após reformas estruturais. Na Nigéria, seria necessário cumprir a meta de 15% do orçamento para a saúde, ampliar a formação de profissionais, levar clínicas a áreas remotas e combater a desinformação nas comunidades.