Manifestantes enfrentam tropas da Guarda Nacional enviadas por Trump a Los Angeles; entenda o que ocorre

 

No terceiro dia de protestos contra medidas de deportação de imigrantes nos EUA em Los Angeles, manifestantes entraram em confronto com tropas da Guarda Nacional enviadas pelo presidente Donald Trump à cidade, nesse domingo (8/6).

O embate ocorreu em frente a um prédio federal que abriga um centro de detenção no centro de Los Angeles. Policiais dispararam o que parecia ser gás lacrimogêneo, spray de pimenta e algum tipo de munição não letal contra a multidão, que gritava “fora, ICE”, em referência à sigla do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA.

O governo americano anunciou o envio de 2 mil soldados da Guarda Nacional para as ruas da maior cidade da Califórnia, após dois dias de confrontos entre manifestantes e policiais.

Nesse domingo, Trump disse a jornalistas que haverá “tropas em todos os lugares”.

“Não vamos deixar que isso aconteça com nosso país… Se vermos perigo para nosso país e nossos cidadãos, seremos muito firmes”, declarou o presidente, que prometeu ainda “enviar o que for necessário pela lei e pela ordem”.

Logo depois, o presidente usou as redes sociais para chamar os atos de “motins de imigrantes”. “Multidões violentas e insurrecionais estão cercando e atacando nossos agentes federais para tentar impedir nossas operações de deportação”, escreveu Trump.

No sábado (7/6), em Paramount, um distrito predominantemente latino de Los Angeles, moradores entraram em confronto repetidamente com agentes federais do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês).

O governador da Califórnia, Gavin Newsom, disse que a medida de Trump é “propositalmente inflamatória” e alerta que “só aumentará as tensões”.

Nesse domingo, Newson pediu calma aos manifestantes: “Não deem a Trump o que ele quer”.

Em análise na BBC, o correspondente Anthony Zurcher escreveu que a “rapidez com que Trump reagiu sugere que essa é uma luta para a qual sua administração está preparada — e até ansiosa para enfrentar”.

A primeira tropa da Guarda Nacional chegou na manhã desse domingo e se reuniu em frente ao centro de detenção no centro de Los Angeles, para onde imigrantes em situação irregular são levados após serem detidos.

A Guarda Nacional é uma força de reserva das Forças Armadas dos EUA, que geralmente atua em nível estadual. Neste caso, trata-se da Guarda Nacional da Califórnia.

Los Angeles é a segunda maior cidade dos Estados Unidos, a maior cidade do Estado da Califórnia, e vai sediar os Jogos Olímpicos de 2028.

A seguir, leia mais detalhes sobre os confrontos em Los Angeles, e a disputa política entre Trump e o democrata Gavin Newsom.

O que está acontecendo em Los Angeles?

Los Angeles viveu no sábado (7/6) seu segundo e mais intenso dia de distúrbios, quando moradores de um distrito predominantemente latino entraram em confronto com agentes federais do ICE.

Gás lacrimogêneo e cassetetes foram usados ​​para dispersar a multidão no distrito de Paramount.

Nesta semana, houve até 118 prisões em Los Angeles como resultado de operações do ICE, incluindo 44 na sexta-feira (6/6).

O governador da Califórnia, Gavin Newsom, condenou as batidas, chamando-as de “cruéis”.

No bairro de Paramount, o ar estava árido, carregado de gás lacrimogêneo e fumaça do lado de fora de uma loja da Home Depot, onde os protestos eclodiram.

Oficiais do Condado de Los Angeles dispararam granadas de efeito moral e gás lacrimogêneo a cada poucos minutos para dispersar os manifestantes.

Vizinhos e manifestantes relataram que migrantes se barricaram dentro de comércios locais, com medo de sair.

Uma pessoa foi presa e várias outras detidas após os protestos da noite passada, informou o Departamento do Xerife do Condado de Los Angeles à BBC. E dois policiais foram tratados em hospital por ferimentos, mas já receberam alta.

O chefe da patrulha de fronteira, Tom Homan, disse à emissora Fox News no sábado: “Estamos tornando Los Angeles um lugar mais seguro”.

Em Los Angeles, para onde viajou para supervisionar pessoalmente as operações do ICE, Homan afirmou que mais recursos estavam sendo mobilizados, como a Guarda Nacional, e que o trabalho do ICE continuaria a ser feito.

Homan alertou que haverá “tolerância zero” para qualquer violência ou dano à propriedade privada.

Em uma publicação no X, Dan Bongino, do FBI, também emitiu um alerta aos manifestantes: “Vocês trazem o caos, e nós trazemos algemas. A lei e a ordem prevalecerão.”

Ele afirmou que “várias prisões” foram feitas por “obstruir operações”.

Los Angeles é uma das chamadas cidades “santuário” dos EUA, que são aquelas com grande presença de migrantes e que têm políticas locais mais favoráveis à migração do que outras partes do país.

O comunicado da Casa Branca à imprensa afirmou: “Nos últimos dias, multidões violentas atacaram policiais do ICE e agentes federais que realizavam operações básicas de deportação em Los Angeles, Califórnia”.

“Essas operações são essenciais para interromper e reverter a invasão de criminosos ilegais nos EUA. Após essa violência, os irresponsáveis líderes democratas da Califórnia abdicaram completamente de sua responsabilidade de proteger seus cidadãos”, disse.

“É por isso que o presidente Trump assinou um Memorando Presidencial mobilizando 2.000 membros da Guarda Nacional para lidar com a ilegalidade que foi permitida a se agravar”, acrescentou.

O presidente dos EUA tem autoridade para mobilizar a Guarda Nacional para determinados propósitos, incluindo “reprimir a rebelião”.

Autoridades do ICE e do governo Trump acusaram o Departamento de Polícia de Los Angeles (LAPD) de agir de forma lenta para tentar conter os manifestantes, demorando 2 horas para responder aos confrontos.

O LAPD negou essa afirmação. “Ao contrário da alegação de que o LAPD demorou mais de duas horas para responder, nosso efetivo foi mobilizado e agiu tão rapidamente quanto as condições permitiram com segurança,” disse o departamento à CBS News, parceira da BBC nos EUA.

Medida incomum

A decisão de Trump de federalizar a Guarda Nacional, que normalmente está sob controle estadual nos Estados Unidos, é incomum.

O site da força militar afirma que ela foi colocada sob controle federal usando o Título 10 (que descreve o papel das forças armadas) do Código dos EUA – a mesma lei que Trump usou – durante a era dos Direitos Civis.

Os presidentes Eisenhower, Kennedy e Johnson usaram a Guarda Nacional para ajudar a fazer cumprir os direitos civis e manter a ordem pública.

A Guarda também foi federalizada durante os protestos de Detroit em 1967, nos protestos após o assassinato de Martin Luther King Jr. em 1968 e durante a greve dos correios de Nova York em 1970.

De acordo com a CNN, a última vez que um presidente federalizou a Guarda Nacional foi durante os protestos de Los Angeles em 1992, em locais externos, depois que quatro policiais brancos foram absolvidos da acusação de espancamento de um motorista negro, gravado em vídeo.

Operações ‘tão imprudentes quanto cruéis’

Em comunicado divulgado na sexta-feira, o governador democrata Newsom disse que “as contínuas e caóticas operações federais em toda a Califórnia para cumprir uma cota arbitrária de prisões são tão imprudentes quanto cruéis”.

“O caos de Donald Trump está minando a confiança, separando famílias, e minando os trabalhadores e as indústrias que impulsionam a economia americana”.

A prefeita de Los Angeles, Karen Bass, acusou anteriormente o ICE de “espalhar o terror” na segunda maior cidade dos EUA.

Os chefes do FBI e do Departamento de Segurança Interna disseram que os comentários da prefeita colocaram agentes federais em perigo.

Angélica Salas, que lidera a Coalizão pelos Direitos Humanos dos Imigrantes, declarou em um comício recente: “Nossa comunidade está sendo atacada e aterrorizada. Eles são trabalhadores. Eles são pais. Eles são mães. E isso tem que parar.”

A Califórnia do democrata Gavin Newsom

O democrata Gavin Newsom vem se posicionando como um dos críticos mais enérgicos de Donald Trump em todo o país.

E muitos têm visto a postura de Newson como uma abertura de caminho para sua própria candidatura à presidência em 2028, pelo Partido Democrata.

Em um dos exemplos mais recentes, Newsom entrou em abril com uma ação judicial contestando a onda de tarifas impostas pelo presidente Donald Trump.

Newson e outros líderes californianos vêm promovendo o Estado, no sudoeste dos Estados Unidos, como uma fortaleza contra a direita radical.

A Califórnia, além de ser o Estado mais populoso do país, com quase 39 milhões de habitantes, conta com o peso da sua economia.

A economia da Califórnia ultrapassou a do Japão, tornando o estado americano a quarta maior força econômica global. Sua força pode sacudir mercados e garante ao Estado o poder de influenciar a política nacional.

Em sua primeira reação à vitória de Donald Trump nas últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos, Newsom, disse: “As liberdades de que desfrutamos na Califórnia estão sendo atacadas e não vamos ficar de braços cruzados. Já enfrentamos este desafio antes e sabemos como reagir”.

E em seguida, ele deu os primeiros passos para tentar fazer da Califórnia um Estado “à prova de Trump”, blindando suas políticas antes mesmo do início do segundo mandato de Trump.

O democrata convocou uma sessão extraordinária do Parlamento estadual para o dia 2 de dezembro, 49 dias antes da posse de Trump, para discutir opções e aumentar os recursos para possíveis litígios contra o novo governo, em temas como a proteção aos imigrantes, os direitos reprodutivos e a comunidade LGBTQIA+, além da luta contra as mudanças climáticas.

E qual foi a reação do presidente eleito naquele momento?

Trump usou seu apelido favorito para o governador: Newscum, um trocadilho que combina o sobrenome de Newsom com a palavra “escória”, em inglês. E o acusou, fazendo referência ao seu próprio lema de campanha, de criar obstáculos para “todas as grandes coisas que podem ser feitas para que a Califórnia volte a ser grande”.

Los Angeles: ‘Santuário’ para imigrantes

A Califórnia é o lar de mais de 10 milhões de pessoas nascidas no exterior. Destas, cerca de 1,8 milhão não têm residência legal, segundo dados do think tank (centro de pesquisa e debates) americano Pew Research Center.

E também é o segundo Estado, depois de Nevada, que abriga mais famílias com membros em situações migratórias distintas. Nelas, por exemplo, os filhos são cidadãos americanos por nascimento, enquanto um ou ambos os pais não têm documentos.

Existem mais de seis milhões de lares com esta característica nos Estados Unidos – cerca de 5% do total. E cerca de 4,4 milhões de crianças nascidas no país vivem com algum parente sem autorização de residência, segundo o Pew Center.

Com este panorama, a deportação em massa pode ser não apenas um drama humano, segundo os especialistas, mas também um golpe para a economia.

Existem setores que dependem, em grande parte, da mão de obra sem documentos, como o setor da construção e a agricultura.

A Califórnia é um grande produtor agrícola. O Estado produz um terço das verduras e 75% das frutas dos Estados Unidos. E, em certas regiões, os trabalhadores sem documentos chegam a representar 70% da mão de obra disponível.

Por este motivo, a Califórnia começou a garantir a proteção dos imigrantes sem documentos há anos.

Em 2017, o então governador Jerry Brown assinou a Lei dos Valores da Califórnia (SB 54). Ela proíbe as forças policiais estaduais e locais de colaborar com as forças federais em assuntos migratórios.

Mais recentemente, após vitória de Trump, Los Angeles passou a se preparar para impasse com a Casa Branca sobre imigração: em novembro, a Câmara Municipal aprovou uma lei que proíbe o uso de recursos locais para ajudar as autoridades federais de imigração.

O sistema de escolas públicas de Los Angeles também se reafirmou como um “santuário” para imigrantes em situação irregular e estudantes LGBTQIA+ em uma série de resoluções emergenciais.

O termo “cidade santuário” é popular nos EUA há mais de uma década para descrever locais que limitam sua assistência às autoridades federais de imigração.

Como não é um termo legal, as cidades adotaram diversas abordagens para se tornarem “santuários”, como estabelecer políticas em leis ou simplesmente mudar as práticas policiais locais.

Além de Los Angeles, Nova York, Houston, Chicago e Atlanta são algumas das cidades com grande presença de migrantes que têm políticas locais mais favoráveis à migração do que outras partes do país.

Fonte: BBC News Brasil

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