Brasília, Brasil – 9 de junho de 2025
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a desdenhar das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado após a eleição de 2022. Durante uma pausa nos interrogatórios conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro negou envolvimento direto com a chamada minuta golpista e afirmou não estar preocupado com uma possível prisão. A fala ocorre no mesmo dia em que seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, declarou que o ex-presidente teve participação ativa na redação do documento que previa a prisão de autoridades e a suspensão do processo eleitoral.
“Estou com a consciência tranquila. Não tem por que me condenar. Eu não tenho preparação para nada”, declarou Bolsonaro, em tom desafiador, ao ser abordado por jornalistas na sede do STF, em Brasília.
A tentativa de desviar o foco da própria responsabilidade contrasta com os depoimentos dados nesta segunda-feira (9), que colocam o ex-presidente no centro das articulações golpistas — agora com confirmação direta do militar mais próximo de seu gabinete durante o mandato.
Cid confirma: Bolsonaro editou minuta do golpe
Na audiência desta segunda, Mauro Cid foi direto: o então presidente teve acesso à minuta do golpe, opinou sobre o conteúdo e propôs alterações. Segundo o tenente-coronel, Bolsonaro retirou nomes de outras autoridades do texto original, mas manteve Alexandre de Moraes como único alvo de prisão.
“De certa forma, ele enxugou o documento, retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor [Moraes] ficaria como preso”, disse Cid ao próprio ministro, em tom tenso.
A frase escancara a gravidade das tratativas internas no Palácio do Planalto nos últimos dias do mandato de Bolsonaro, quando a vitória de Lula da Silva já havia sido reconhecida internacionalmente, mas setores do bolsonarismo ainda buscavam reverter o resultado das urnas.
Cid foi cumprimentado por Bolsonaro no início da audiência, em um gesto que expõe a tentativa de manter aparências mesmo diante da delação premiada que atinge o núcleo duro do governo passado.
Almir Garnier e o apoio militar ao plano
Outro ponto explosivo revelado no depoimento foi a participação do então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos. Segundo Cid, o almirante teria colocado tropas da Força à disposição do ex-presidente caso a ofensiva golpista fosse adiante.
“O comandante da Marinha afirmou que, se fosse necessário, as tropas estariam com Bolsonaro”, confirmou Cid, reforçando o elo entre militares e o projeto autoritário.
A declaração sustenta suspeitas antigas sobre o papel de setores das Forças Armadas na instabilidade institucional de 2022. Embora o Exército e a Aeronáutica não tenham aderido formalmente, as articulações dentro da Marinha colocam em xeque o compromisso das Forças com a democracia.
Bolsonaro finge ignorância e nega trama golpista
Tentando se distanciar do centro do escândalo, Jair Bolsonaro adotou uma postura defensiva e tecnicista. Disse que não assinou nenhum decreto, e que a implementação de medidas como estado de defesa ou de sítio exigiria a convocação dos Conselhos da República e de Defesa Nacional, o que não teria ocorrido.
“Assinar um decreto desses exige convocar os conselhos. Não foi feito”, justificou, como se a ausência de formalização excluísse o crime de tentativa.
A declaração, porém, não responde à acusação de ter participado da preparação ativa de um documento que violava a ordem constitucional. Tampouco explica o fato de manter por perto oficiais como Garnier, sabidamente comprometidos com a ruptura institucional.
Delator se esquiva, mas compromete o governo
Mauro Cid tentou se desvincular da responsabilidade direta pelos atos golpistas. Disse que “presenciou, mas não participou” das reuniões. Ainda assim, forneceu detalhes suficientes para comprometer o círculo íntimo de Bolsonaro.
O militar também negou ter sido coagido pela Polícia Federal a colaborar, embora tenha admitido abalo emocional e “crise psicológica” quando gravou um áudio, revelado pela revista Veja, em que criticava Alexandre de Moraes. A gravação, segundo ele, foi um momento de desequilíbrio — argumento que dificilmente anula o peso do conteúdo.
O Carioca Esclarece
O que é a minuta golpista mencionada por Mauro Cid?
É um rascunho de decreto presidencial elaborado no fim de 2022 que previa a decretação de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral, a prisão de ministros do STF e a anulação das eleições. O texto é considerado peça central da tentativa de ruptura democrática.
Bolsonaro pode ser preso por ter “enxugado” o texto?
Sim. Mesmo sem assinar formalmente, a participação ativa na edição e manutenção de um plano para intervir nas instituições caracteriza ato preparatório para golpe de Estado, previsto no Código Penal. A delação de Mauro Cid amplia a evidência material de sua implicação.
Por que a participação de Almir Garnier é tão grave?
Porque comprova que havia adesão militar parcial à tentativa de ruptura, o que coloca em risco a estabilidade democrática. O comando das Forças Armadas deveria ser garantidor da Constituição, e não cúmplice de tentativas de golpe.