A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) excluiu de sua agenda de prioridades para este ano e o próximo a regulamentação de uma lei de 2021 que modificou a forma como empresas do setor ferroviário devem ser responsabilizadas por acidentes ocorridos com trens no país, apesar de indicação da área técnica de que o assunto é “grave” e “urgente”.
A decisão da ANTT de postergar essa definição ocorreu em 31 de janeiro, menos de três semanas antes de o então diretor-geral da agência, Rafael Vitale, ter deixado o órgão e passar a trabalhar para a CSN, conforme revelou a coluna. A CSN controla três das principais concessionárias de ferrovias do país, entre elas está a MRS Logística, que, embora tenha apenas a sétima maior concessão do país, com malha de 1.643 km, está no topo de ranking de acidentes com mortes no país nos últimos quatro anos, com 168 óbitos.
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Rafael Vitale, então diretor da ANTT, na B3, em São Paulo, no ano de 2024
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Rafael Vitale encerrou mandato como diretor-geral da ANTT nesta semana
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Ex-diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Rafael Vitale, durante programa A Voz do Brasil, em setembro de 2023.
Valter Campanato/Agência Brasil.4 de 5
Rafael Vitale durante reunião da ANTT
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Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) agraciou a ANTT, em 2024, com Selo Ouro e Selo Prata de Boas Práticas Regulatórias
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A lei de 2021 estabelece que “os acidentes e as ocorrências devem ser classificados pelo regulador ferroviário quanto à gravidade, previsibilidade e inevitabilidade, nos termos da regulamentação, que também definirá as hipóteses de responsabilização administrativa da operadora ferroviária”.
A norma atual, prevista em uma resolução de 2020, não envolve, por exemplo, o elemento de inevitabilidade. E a parcela majoritária dos acidentes, segundo dados da ANTT, envolve atropelamentos – o que, em tese, podem ser evitados com barreiras adequadas ao lado dos trilhos.
Documento mostra que revisão do tratamento dos acidentes ferroviários, com foco na sua classificação, foi suprimido da agenda regulatória da ANTT
Segundo encaminhamento interno da área técnica, que resultou na inclusão provisória do assunto na chamada “agenda regulatória” da ANTT para o biênio 2025/2026, “existem pontos importantes que precisam passar por um processo de avaliação mais aprofundado, de forma que eventual desalinhamento [entre a resolução de 2020 e a lei de 2021] possa ser corrigido”.
“Espera-se, assim, que seja possível aperfeiçoar a avaliação acerca da responsabilidade pelos sinistros, importando melhorias e segurança para as concessionárias ferroviárias, os usuários do sistema e toda a sociedade”, completa o documento de dezembro de 2024.
No grau de priorização indicada pela área técnica, o assunto foi classificado como “grave”, “urgente” e com tendência de “piora a longo prazo” – uma classificação de 3 em uma escala de matriz de priorização que vai de 1 a 5.
Pela previsão inicial, uma nova norma deveria estar pronta em fevereiro de 2026. Com a exclusão do tema da agenda regulatória, porém, não há mais um prazo previsto para essa regulamentação, já que o tema deixa de estar entre as prioridades da ANTT pelo menos até o fim do ano que vem.
Os acidentes nas ferrovias do país
Entre dezembro de 2020 e dezembro de 2024, conforme dados da ANTT, ocorreram 1.377 acidentes ferroviários considerados graves. A Rumo Malha Sul, que tem a segunda maior malha do país em extensão, é quem registra o maior número de acidentes graves no período (351). Em segundo lugar, aparece a MRS Logística, do grupo CSN, com 265 acidentes, embora opere uma malha ferroviária muito menor. Em terceiro lugar surge a Ferrovia Centro-Atlântica, que é maior do país. Em quarto lugar, em volume de acidentes graves, está a Transnordestina Logística, outra empresa da CSN, com 197 acidentes.
Ou seja, em ferrovias da CSN a ANTT registrou 462 acidentes em quatro anos – uma média de um acidente grave a cada três dias, aproximadamente.
Em termos de óbitos, porém, a liderança é, disparadamente, da MRS Logística. Em quatro anos, 168 pessoas morreram em acidentes ocorridos nos trilhos operados por esse braço da CSN. Já a Transnordestina Logística registrou 16 mortes no mesmo período. A grande maioria dos casos de óbito está associada a episódios de atropelamentos.
O que dizem a ANTT e Rafael Vitale
Em nota, a ANTT informou que a Agenda Regulatória da agência foi reformada em revisão extraordinária que ampliou significativamente o Eixo Temático 4, que cuida da regulação ferroviária. “Importante observar que nenhum tema foi excluído da proposta antiga, mas sim foram adicionados mais elementos, ampliando o escopo de regulamentação da referida lei, de acordo com a manifestação da área técnica”, alegou o órgão.
Já sobre acidentes, a ANTT informou que a atuação do órgão tem levado à tendência de redução sistemática das ocorrências, apesar do aumento da produção de transporte.
“Além disso, o tema já é regulamentado por meio da resolução ANTT 5.902/2020, que trata da comunicação de acidentes ferroviários, incluindo classificação quanto à gravidade, procedimentos de investigação, entre outros. Os contratos de concessão também já preveem as hipóteses de responsabilização para eventuais condutas que contribuam para as ocorrências de acidentes”, prosseguiu.
Procurado, Rafael Vitale, que atualmente trabalha na CSN, não se manifestou. A empresa também não respondeu aos questionamentos feitos pela coluna.