Um domingo inesquecível (por Gustavo Krause)

Nascido, criado e vivendo numa família judaico-cristã, assimilei o domingo como um dia de significado especial, respeitando liturgias, devoções, assim como apreciando, também, as tradições e rituais sabáticos.

O que, de fato, se apropriou dos meus hábitos foi o dia dedicado ao descanso e à reflexão. Consolidei a noção do recesso, pausa, repouso de forma tão profunda que, aos domingos, não incomodo as pessoas, sequer, para parabenizar pelo natalício. Antecipo ou adio o gesto afetuoso, explicando a razão.

Trata-se de um esforço pessoal na busca do equilíbrio prescrito pela sábia lição do poeta romano Juvenal amplamente conhecida: mens sana in corpore sano.

Importante agregar o valor da diversão, uma espécie de alegria que geralmente vence a tentação de cometer o pecado capital da preguiça.

Não é uma desobediência isolada, nem desvio estrutural de caráter: está mais para um momento ocasional de recarregar as energias, dando descanso aos neurônios, acendendo, no silencioso remanso, as luzes do espírito.

Os domingos amanhecem bocejantes. Mas não são imobilistas. Dependendo dos costumes e da natureza, são convidativos para viver e aproveitar o tempo liberto da rotina entediante e do estresse cotidiano.

O acaso me trouxe para o mundo tropical, litorâneo, mestiço, afetivo que ofereceu, ao lado das devoções, sol, mar, rio e, durante muito tempo, o dia do futebol, acrescido pelo hábito do almoço com a família que, na prosa poética do meu amigo Luís Otávio, o cardápio dominante era o cozido e, no sábado, feijoada.

Incluídas as matinês dos cinemas chiques do centro do Recife e das salas mais modestas dos cinemas de subúrbio, está completa a cena nostálgica da geração que, concebida sob os horrores da Segunda Guerra Mundial e nascida entre 1945 e 1964, foi batizada de geração baby boomer (onde estou incluído).

Um aviso importante: não é sobre o passado e, muito menos, sobre uma antiga geração que pretendo ocupar o leitor. Até porque, tudo mudou e mudou profundamente no fio da meada a que se seguiram a geração X (1965-1980), a geração Y ou millenials (1981-1996), a geração Z (1997-2010) e a geração alpha (2010-2025). Sem idealizações ou maldições, cada época se constitui de grandezas e misérias.

Refiro-me ao meu domingo inesquecível (14/4/2024) que foi a visita que recebi do meu neto, Victor, nascido faz quatro meses. Quando a mãe (geração Z) ultrapassou a porta com um largo sorriso, minha primeira reação foi desligar a televisão para depois envolvê-lo no abraço do avô emocionado.

Por que desliguei a televisão? Não foi, apenas, um gesto de atenção. Nos meus braços, filho da Segunda Guerra, um baby boomer, estava um representante da geração alpha no clima de ternura e afeto. Naquele começo de noite, o assunto dominante nos meios de comunicação (e não poderia ser outro) era o ataque militar do Irã a Israel e as imagens televisionadas mostravam a contundente realidade de um cenário trágico: céu repleto de drones e misseis profanando a luminosidade estelar e destruindo vidas.

Enquanto vivíamos a paz e a doçura do ambiente familiar, armas potentes alimentavam o ódio homicida da guerra, ao vivo e em cores. Preferi mergulhar no aconchego da inocência. E ao me despedir, reforcei o sentimento dos pais para que, no processo de formação, fizesse aquela criança compreender que, antes de tudo, somos humanos cuja arma mais poderosa é a capacidade de semear o amor fraterno.

 

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda 

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